Quando se observa o atual abismo de interesses entre Estados Unidos e Rússia, a guerra Israel-Hamas e os vetos das potências no Conselho de Segurança da ONU, é quase impossível imaginar que, em 2003, alguns desses mesmos atores sentavam para conversar e tinham até um projeto comum para a paz no Oriente Médio. Eles eram chamados de "Quarteto" (EUA, Rússia, ONU e União Europeia), e seu plano era conhecido como "Road Map", o Mapa do Caminho. Foi talvez a última vez em que acreditei em uma solução para o conflito israelense-palestino. De lá pra cá, tudo desandou.
Não era perfeito, obviamente. Mas havia pontos de consenso. Bases gerais: acabar com a violência, reformar as instituições palestinas, aceitar o direito de Israel existir, estabelecer um Estado palestino viável e soberano; e chegar a uma solução sobre todas as questões até 2005. O então primeiro-ministro israelense, Ariel Sharon, só aceitou o roteiro se, entre outras ressalvas, os palestinos colocassem fim às organizações terroristas. O líder palestino, Mahmoud Abbas, topou a proposta desde que Israel se retirasse de áreas palestinas ocupadas e congelasse os assentamentos judaicos.
Esses critérios não foram levados adiante. Chegou-se a um impasse. Muito dinheiro foi gasto em reuniões de cúpula em balneários da região e muita expectativa foi criada, mas tudo ruiu.
Não há solução possível para o Oriente Médio que não seja a "solução de dois Estados" - um israelense e outro palestino reconhecidos mutuamente. Aliás, esse termo "solução de dois Estados" é tão antiga quanto o conflito. Surgiu pela primeira vez em 1937, no âmbito da comissão Peel, durante o mandato britânico da Palestina histórica, entre 1922 e 1947. A tal comissão chegou à conclusão, após ouvir interlocutores, que o antagonismo entre os dois povos era intransponível. Cada lado, segundo a comissão, não tinha nada em comum com o outro, e as aspirações nacionais eram incompatíveis.
O plano de partilha da Palestina da ONU, em 1947, foi baseado nessa conclusão. Vieram as guerras da Independência de Israel, do Yom Kippur e a dos Seis Dias, atentados terroristas e agressões militares. Muito sangue jorrou, e muita gente morreu dos dois lados.
Negociações começaram em 1988, após o líder palestino Yasser Arafat reconhecer o direito de Israel exitir. Vieram os Acordos de Oslo (1993), mas, desde 2013, as negociações estão estagnadas.
Hoje, é quase impossível imaginar dois Estados convivendo em paz lado a lado. Para que esse plano - repito, o único que acredito viável - seja implementado, há quatro pontos neste momento intransponíveis. Mas necessários de se pensar:
1) Território - O recuo das fronteiras de Israel ao desenho pré-1967, antes da Guerra dos Seis Dias. Naquele conflito, Israel ocupou Faixa de Gaza, Cisjordânia, Jerusalém Leste e Colinas de Golã (da Síria). Israel saiu de Gaza em 2005. Na Cisjordânia, uma área tem controle civil e de segurança da ANP; em outra o controle civil é palestino e a segurança está a cargo de israelenses e palestinos; e, em uma terceira, o comando total, civil e militar, é israelense. Um dos princípios da construção de um Estado é a continuidade territorial. No caso dos Territórios Palestinos, não há - sem falar da própria separação geográfica entre Cisjordânia e Faixa de Gaza.
2) Assentamentos - Os assentamentos judaicos, ampliados em número durante o governo de Benjamin Netanyahu, transformam o território da Cisjordânia em uma colcha de retalhos. A construção da cerca/muro por Israel em torno e por dentro da Cisjordânia diminuiu os atentados terroristas em Israel, mas impõe restrições à liberdade de movimento de palestinos que vivem na área. Cerca de 600 mil colonos judeus vivem na Cisjordânia. Um Estado Palestino só seria possível com a retirada das colônias, um problema político, logístico e econômico para Israel.
3) Status de Jerusalém - A cidade sagrada para judeus, muçulmanos e cristãos é um dos pontos centrais. Israel ocupou a parte leste de Jerusalém, onde fica o Muro das Lamentações (local mais sagrado do judaísmo), na Guerra dos Seis Dias. Nessa área também fica a Mesquita de Al-Aqsa, terceiro lugar mais sagrado do Islã. Os palestinos reivindicam Jerusalém Leste como capital de um futuro Estado. Israel considera Jerusalém indivisível e capital de seu país.
4) A questão dos refugiados - A Guerra da Independência de Israel, em 1948 (chamada pelos palestinos de Nakba, a "catástrofe"), produziu 700 mil refugiados, que se espalharam pelos países vizinhos. Hoje, acredita-se que sejam mais de 5,5 milhões com "direito de retorno". Na eventual criação do Estado Palestino, provavelmente, muitos não voltariam para as áreas onde hoje fica Israel. Mas Israel argumenta que, o eventual retorno, criaria uma desequilíbrio populacional - os palestinos seriam em maior número do que os judeus -, o que desconfiguraria o Estado judeu.
Além de tudo isso, é preciso dizer que a solução de dois Estados passa, obrigatoriamente, pelo fim do grupo terrorista Hamas, ou que este abandone as armas, como fizeram ETA (no País Basco) e IRA (no Reino Unido), por exemplo. O Hamas não aceita a existência de Israel. Gritar "Palestina, do rio ao mar", nos protestos palestinos, significa defender um Estado único, palestino, do Rio Jordão ao Mar Mediterrâneo. Ou seja, a destruição de Israel, exatamente como desejam os terroristas que massacraram seres humanos no dia 7 de outubro. Isso não apenas é inviável, porque Israel não deixará de existir, como em nada contribui para a paz entre os dois povos.