O Brasil, que assumiu a presidência rotativa do Conselho de Segurança da ONU no domingo (1º), teria uma boa causa a defender como bandeira, se desejasse fazer algo relevante para o mundo nesse curto período em que estará à frente do órgão que deveria zelar pela paz no planeta. Poderia usar seu capital diplomático e a pretensa influência para levantar a voz contra o processo de limpeza étnica na distante e pouco conhecida região do Cáucaso. Apesar das limitações do cargo, uma vez que o país não é membro permanente do Conselho, já seria algo importante para quem briga pela reforma do Conselho e almeja a posição de player do xadrez global.
Nesse momento, sob o olhar conivente da comunidade internacional, está em curso a expulsão de milhares de armênios de Nagorno-Karabakh, um enclave montanhoso dentro do Azerbaijão. O êxodo começou na semana passada, depois que as forças separatistas se renderam ao exército azeri.
O governo central, em tese, permitiria que as populações armênias permanecessem em suas casas em Nagorno-Karabakh, desde que, claro, assumissem a cidadania azeri. A maioria não aceitou e iniciou uma fuga desesperada para o país vizinho, a Armênia, antes que morram de fome ou sejam mortos pela ditadura que comanda o Azerbaijão. Na prática, o que o governo azeri propôs é o mesmo o que os russos fizeram com os ucranianos no Donbass: renda-se e aceite a nova cidadania. Quem não aceita, é taxado de traidor e só lhe resta fugir.
Essa é uma daqueles guerras esquecidas do mundo, mais preocupado com o que ocorre em Genebra, Paris ou Washington. Pouca atenção se dá ao Donbass, passados os primeiros meses da guerra na Ucrânia, em Xinjiang, ou em Nagorno-Karabakh.
A comunidade internacional já lavou as mãos no genocídio armênio, entre 1915 e 1923, protagonizado pelo Império Turco-Otomano. E agora se omite, de forma vergonhosa, diante do avanço do Azerbaijão.
Embora povoado principalmente por armênios, Nagorno-Karabakh foi integrado em 1921 à república soviética do Azerbaijão por Stalin. Sob a URSS, a região ganhou status de autonomia em 1923 e assim permaneceu até o colapso do regime, em 1991.
Nagorno-Karabakh organizou um referendo boicotado pela comunidade do Azerbaijão e, depois, proclamou, com o apoio da Armênia, a independência - nunca reconhecida.
Para o Azerbaijão, trata-se de um naco de território que pode ser perdido. Para os armênios, é mais: o resgate de uma memória traumática de seu povo, alvo do genocídio que matou 1,5 milhão de pessoas no início do século passado.
Os sinais da limpeza étnica estavam aí, e ninguém pode dizer que foi pego de surpresa. Desde dezembro de 2022, as forças do Azerbaijão bloqueavam o Corredor de Lachin, que liga o enclave à Armênia. Sob o argumento de evitar o ingresso de armas no território, os azeris impediram a entrada de comida, medicamentos e combustível a Nagorno-Karabakh. Liberada agora, a via é rota de mais uma diáspora desse povo.
O Brasil assume Conselho de Segurança da ONU sem colocar Nagorno-Karabakh na pauta e driblando outros temas espinhosos, como a própria questão da Ucrânia. Promete defender a prevenção de conflitos. É nobre, mas, a curto prazo, mais relevante seria lidar com os que estão ocorrendo diante dos olhos passivos do condomínio ONU.