Os Estados Unidos, sempre excelentes em rotular midiaticamente episódios estrondosos, têm os seus "julgamentos do século". São aqueles casos rumorosos que costumam dividir opiniões, mas amalgamar a audiência em frente aos aparelhos de TV ao vivo. O século 20 teve vários julgamentos históricos envolvendo diferentes processos e personalidades. Mas o último a receber esse estigma foi o caso do ex-ídolo da NFL O. J. Simpson, em 1995.
O primeiro "julgamento do século 21" não será também um só. Serão vários, mas envolverão a mesma pessoa: Donald Trump, suspeito pelo que fez antes, durante e depois da presidência. São quatro processos até agora.
Antes da Casa Branca: ele é acusado de ter subornado a ex-atriz pornô Stormy Daniels para que silenciasse, durante a campanha presidencial de 2016, sobre um suposto relacionamento entre os dois. O caso tramita em Nova York, e o julgamento está marcado para 25 de março de 2024.
Durante a Casa Branca: são dois casos, e os mais graves para suas aspirações políticas. Trump é acusado de ter tentado alterar o resultado da eleição de 2020 na Geórgia. Nessa ação, ficou famoso o telefonema que deu a uma autoridade local - e cuja gravação vazou -, no qual ele ordena que sejam "encontrados 12 mil votos", o suficiente para superar Joe Biden, de quem acabou perdendo por 0,2 ponto percentual no Estado. Foi por esse caso que ele foi fichado recentemente, tendo sua foto registrada, a famosa mugshot que viralizou. Ainda não há data para esse julgamento, mas a Justiça do condado de Fulton já autorizou a transmissão. Prepare a pipoca e o refrigerante! Isso não deve ocorrer nos demais Estados, onde a legislação impede o acompanhamento ao vivo.
O outro caso durante a presidência refere-se a seu suposto envolvimento nos ataques golpistas de 6 de janeiro, quando seus apoiadores invadiram o Capitólio. O início do julgamento está previsto para 4 de março, uma data fatídica para Trump, que estará em campanha. No dia seguinte, 5 de março, é a Superterça, o famoso dia em que vários Estados americanos votam nas prévias internas dos partidos. O julgamento obrigará o pré-candidato a deixar, por algumas horas, a corrida. Em se tratando de Trump, adepto do "falem mal, mas falem de mim", pode ser tanto bom quanto ruim. Ele ficará fora da maratona eleitoral, mas seu nome estará presente em todos os noticiários.
Depois da Casa Branca: o ex-presidente é acusado de ter levado para sua residência de Mar-a-Lago, na Flórida, documentos sigilosos da administração.
Em 17 de junho de 1994, os americanos acompanharam ao vivo a perseguição policial a O.J. Simpson, entre Los Angeles e Brentwood. Em 2024, o mundo assistirá aos advogados de Trump tentarem driblar a Justiça para postergar audiências. E assim, como nos EUA não há lei equivalente à brasileira Ficha Limpa, o ex-presidente, que se diz vítima de perseguição política, vai tentar esticar ao máximo os prazos.
Na prática, poderá concorrer. O caso do socialista Eugene Debs, que disputou a presidência em 1920 mesmo estando preso, é sempre lembrado. O ex-presidente, no entanto, se tiver o mesmo destino, será o primeiro político com chances reais de vitória a encarar a situação. De todos os casos, o único que pode torná-lo inelegível é o do ataque ao Capitólio. A 14ª Emenda proíbe pessoas envolvidas em insurreição ou rebelião contra o governo de ocupar cargos civis ou militares em governos federal ou estadual.