The Sunday Times, a prestigiada edição de domingo do jornal britânico The Times, exibiu uma reportagem sobre a conexão entre um grupo neonazista preso em Santa Catarina, em novembro do ano passado, e os Hammerskins, a mais violenta organização de supremacistas brancos dos Estados Unidos.
As suspeitas não chegam a ser novas. Mas a reportagem expõe, na mídia internacional, uma preocupação crescente entre autoridades brasileiras: o " evidente aumento de células neonazistas ativas nos três Estados do Sul, Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina", diz o texto.
Intitulada "Brasil desconfia de seus Estados do Sul após ataques que têm como alvos neonazistas", a reportagem detalha a operação policial em São Pedro de Alcântara, na Grande Florianópolis. E afirma que, durante a ação, os agentes encontraram "evidências claras de links do grupo com o Hammerskins".
Os acusados, hoje convertidos em réus, foram presos em 14 de novembro de 2022 em uma propriedade rural do município catarinense. Dos oito detidos, quatro são gaúchos.
Cinco meses depois, em abril, a polícia prendeu, em Caxias do Sul, na serra do RS, mais dois suspeitos de integrarem o grupo. Eles haviam deixado a reunião em São Pedro de Alcântara antes da operação ser deflagrada em solo catarinense.
O inquérito policial, a cargo do delegado Arthur de Oliveira Lopes, já trazia indícios da ligação do grupo com os Hammerskins. No material apreendido, havia várias referências à organização americana junto com outros tipos de materiais de incitação à violência racial. Também foram encontradas adagas, canivetes e munições. Havia mensagens de ódio em aparelhos celulares e computadores apreendidos. Alguns dos réus têm tatuagens que confirmam admiração por Adolf Hitler, o ditador nazista, a por seu regime que prega a superioridade ariana.
Dias depois da prisão em São Pedro de Alcâmtara, foi divulgada uma ameaça à promoção de uma amostra de cultura haitiana em Itajaí, também em Santa Catarina. A ameaça foi feita por meio de e-mails enviados a veículos de comunicação do Estado. No texto, os criminosos pregavam ódio contra negros, mulheres, nordestinos, judeus e indígenas.
No despacho do desembargador Ernani Guetten de Almeida, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TS-SC), ele escreveu que o grupo age de forma organizada para "alcançar rápido crescimento e maior engajamento, inclusive rompendo as barreiras entre os Estados". E não só, diz o magistrado: "Seriam, supostamente, braço de uma semelhante organização internacional, organizada hierarquicamente e que condiciona o alcance pelo grupo de posição mais elevada na organização e ao cometimento de crimes de ódio com recurso à violência". Ele refere-se aos Hammerskins.
Essa organização tem braços em vários países. Foi fundada em 1988, em Dallas, no Estado americano do Texas. Seu nome completo é Hammerskins Nation (Nação Hammerskins). Seus membros costumam adotar nomenclaturas diferentes em cada região de atuação. Nos EUA, por exemplo, a célula original se chamava Confederate Hammerskins. Mas há os Eastern Hammerskins (na Costa Leste), os Northern Hammerskins (no Norte) e os Arizona Hammerskins, integrantes que vivem nesse Estado, por exemplo.
O ramo original cometeu vários crimes de ódio: em 1988, cinco integrantes perseguiram e agrediram negros e hispânicos e vandalizaram sinagogas; em 1991, assassinaram um afro-americano, enquanto ele estava na parte traseira de um caminhão com dois amigos, em Arlington, Texas.
O braço brasileiro do grupo se chamaria Southlands Hammerskins (Hammerskins das Terras do Sul).
O ministro da Justiça, Flávio Dino, acredita que os ataques a escolas - como o de São Paulo, em que uma professora foi morta, e o da creche de Blumenau, onde crianças de entre quatro e sete anos foram assassinadas - estejam vinculados a esses grupos, que atuam em articulação interestadual. Em abril, ele determinou que a Polícia Federal (PF) instaurasse investigação para apurar eventuais vínculos.
Um estudo da professora Adriana Dias, da Unicamp, especializada em movimentos de extrema direita, concluiu que o número de células neonazistas cresceu de 72 em 2015 para 1.117 em 2022. Sua pesquisa serve como base para a atuação de policiais civil e federal e de atuação do Ministério Público.
Aliás, os Hammerskins se inspiram em uma organização neonazista fictícia criada pela banda Pink Floyd e retratada no álbum "The Wall", de 1979, transformado em filme em 1982. Seu logo é representado por dois martelos cruzados um sobre o outro, o mesmo do filme. A organização, na vida real, retira de contexto a dura crítica que a banda faz a grupos extremistas e a qualquer tipo de autoritarismo.
Seu lema Hammerskins Forever frequentemente aparece em seus apetrechos apreendidos, como os encontrados com a célula catarinense desmantelada em São Pedro de Alcântara.