Secretária de Planejamento no primeiro mandato do governador Eduardo Leite, a brasiliense Leany Lemos teve papel decisivo nas reformas e nas ações de enfrentamento ao coronavírus no Estado. Depois de deixar o secretariado, ela se tornou, em 2020 a primeira mulher a presidir o Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE).
No final de 2022, ela foi convidada pela ministra do Planejamento, Simone Tebet, para chefiar a Secretaria Nacional de Planejamento. Assim, desde fevereiro, voltou a trabalhar em Brasília, onde nasceu, tem casa e família e onde, entre 2015 e 2018, comandou a Secretária de Estado de Planejamento, Orçamento e Gestão do Distrito Federal.
Na semana que vem, ela virá a Porto Alegre como parte de seu périplo pelas diferentes regiões do país para conhecer as ideias dos governos estaduais e possíveis alinhamentos com o planejamento federal.
- O Sul para mim está no coração - diz.
Nesta terça-feira (6), ela conversou, durante uma hora, com a coluna sobre essa nova fase no Planalto Central.
Como está a readaptação a Brasília?
A posição em que estou hoje é bem focada em planejamento, e menos em finanças, como era enquanto secretária em Brasília, no Rio Grande do Sul e, depois, presidente de banco. Agora, na Secretaria Nacional de planejamento, é um olhar para a trilha da mudança: o que vamos fazer nos próximos quatro anos, quais são as prioridades das políticas públicas. Tem menos crise e mais reflexão, prospecção, olhar cenários, articulação e coordenação de governo do na área de finanças. No Brasil, em finanças, a gente vive em crise, está sempre falando do dinheiro que não tem, do que teve de cortar, da reforma que teve de fazer para caberem as coisas. Vivi isso por oito anos direto.
Há algo que a senhora vê como possibilidade de aproveitar no governo federal a partir da experiência no governo gaúcho?
A minha experiência no RS foi uma escola. Há vários aspectos aplicáveis. As experiências que a gente vive a gente transfere para outras situações: ganha habilidades, capacidade analítica, maturidade profissional e pessoal. Valorizo muito ter conhecido profundamente uma parte do Brasil, mesmo com crises e pandemia. Foram muitas crises, não só a financeira do Estado, que era conhecida. Eu brincava com o governador Eduardo Leite: "O senhor me trouxe para fazer reforma, ajuste fiscal. Isso estava contratado, agora gestão de pandemia, não" (Risos). Nunca tinha vivido no Sul. Acho importante valorizar a diversidade na comida, na língua, na cultura. Em Brasília, falo aos colegas da Esplanada: "Vocês têm de viajar, vão conhecer o Brasil". Porque as realidades são muito diferentes. A partir da vivência no Rio Grande do Sul, agora para planejar o Brasil, eu olho e falo: "Eu conheço, eu sei como é, sei quais são os desafios, intuo as questões que têm de ser tratadas nos próximos anos.
A minha experiência no RS foi uma escola. Há vários aspectos aplicáveis (ao governo federal). As experiências que a gente vive a gente transfere para outras situações: ganha habilidades, capacidade analítica, maturidade profissional e pessoal.
E com relação à gestão?
Foram três momentos diferentes no RS. Primeiro como secretária, de coordenar, com o núcleo duro do governo, as reformas que sanearam as contas do Estado. Sempre vai ter desafio, vai falta dinheiro. Até na Noruega os orçamentos são apertados. Mas era uma situação muito crítica, de um Estado desacreditado e que a gente conseguiu resolver em um ano e meio. Teve o segundo momento, da pandemia, que deixei de ser secretária e fui para o Comitê de Dados. Eram 24 horas, eu até sonhava com planilhas, para pensar uma forma de fazer gestão de algo muito novo. Porque sobre ajuste fiscal tem 500 livros que falam o que fazer, mas sobre pandemia não se tinha uma diretriz. Tudo foi construído e com muito medo de errar, porque isso impactaria na economia e na perda vidas. Foi um momento de muita tensão e pressão, mas a liderança do governador foi impressionante. E o terceiro momento foi quando fui para o banco. Ver um outro lado: o banco é uma empresa pública, mas trabalha com setor privado. Você faz política de fomento, de desenvolvimento, para gerar emprego e renda diretamente. Essa experiência de gestão em três momentos muito desafiadores a gente carrega como um insumo. O governo federal tem uma complexidade grande, mas a experiência de ter vivido o ajuste fiscal, a pandemia e feito política de fomento para o setor privado me deu uma visão muito ampla do que é gestão, e trago isso para o Planejamento. Aqui, o pessoal olha muito para o orçamento. Eu falo: "Gente, o que o governo faz não é só orçamento, tem toda essa questão do crédito. O que o BNDES, o Banco da Amazônia, o Banco do Nordeste, Banco do Brasil, os bancos oficiais de fomento, estão fazendo?" Tudo isso cria um repertório para pensar o futuro do Brasil a partir dessa experiência do Sul.
O governador Eduardo Leite apresentou um plano de obras estruturantes, como a duplicação da BR-116 e a conclusão da nova Ponte do Guaíba, ao Planalto. A sua agenda no RS tem a ver com esses temas?
A gente vai ouvir. Essas são agendas de escuta, entender as prioridades da região e o que se está pensando para os próximos quatro anos, que é o horizonte do PPA (Plano Plurianual Participativo), e para a próxima década. No Brasil, temos três planos de desenvolvimento regionais (PDR) previstos em lei: Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Eles têm fundos constitucionais, de desenvolvimento, em que recursos subsidiados são oferecidos à iniciativa privada como crédito. Mas a previsão é só para essas três regiões. É claro que algumas regiões precisam de atenção maior, instrumentos e incentivos. Mas a gente tem o Sudeste e o Sul, que representam 70% do PIB, que também precisam se desenvolver. O que pode ser feito na região Sul para que ela também se desenvolva em educação, saúde, renda e emprego? São Estados agroexportadores, têm matriz econômica semelhante, bom capital humano, e que juntos podem ter força maior para negociar internacionalmente preços, condições, ou junto ao governo federal benefícios e projetos do que isoladamente. A ideia da reunião é a gente falar de nossa metodologia e ouvir dos secretários de Planejamento e o BRDE sobre suas prioridades.
Quais são os seus grandes desafios no governo federal?
Um é o planejamento de médio prazo, o PPA, é o plano de metas do governo para os quatro anos. O segundo é de longo prazo, que vamos começar a partir de setembro, fazendo o planejamento 2040, devemos entregar em julho do ano que vem. Hoje, a gente está 100% focado no PPA, até porque ele tem prazo constitucional: 31 de agosto. O ministério e a secretaria tinham sido extintos. Ela foi recriada, a gente tinha apenas oito cargos. Eu conheci essa Secretaria Nacional de Planejamento, 10 anos atrás, com cem pessoas. Tinha musculatura. A gente reviu toda a metodologia, porque encontrei muita fragilidade no modelo de elaboração dos programas. Ao longo do tempo, o Planejamento foi perdendo relevância e virou algo burocrático, que se fazia só para cumprir a lei, mas que não tinha consistência metodológica. A gente trabalhou dois meses em metodologia. Elaboramos 88 programas que são as grandes políticas públicas: o Moradia Digna, que inclui o Minha Casa Minha Vida, mas também regularização fundiária, aluguel social; educação básica; saúde básica. Estamos fazendo um PPA participativo, com plenárias em todo o Brasil, ao mesmo tempo em que uma plataforma digital permite votação popular e sugestões. Estamos com mais de 155 mil votos na plataforma e mais de 1,9 mil novas propostas. Para dentro (do governo), estamos conduzindo 120 oficinas, já fizemos cerca de 90, envolvendo mais de 3 mil servidores de todos os ministérios, de todos os órgãos, bancos, das superintendências, fundações, discutindo o detalhamento desses programas: os indicadores, metas e objetivos se quer atingir. Tudo isso que estamos produzindo agora é insumo que vai ser utilizado para a gente olhar o "Brasil 2040". Ficamos discutindo arcabouço, reforma tributária, tudo isso é relevante e tem impacto no futuro, mas também é muito conjuntura micro. Se pensarmos que país desejamos daqui a 20 anos, a gente vai querer educação de qualidade, saúde que funcione melhor, que as pessoas tenham vida digna, com moradia, que haja emprego para todo mundo, que a renda seja maior. Pensar e tentar colocar em um documento esse ideal de país é algo que me anima muito. Pensar algo que ficará como legado, para os governos seguirem ou não.
Como a reforma tributária e arcabouço fiscal são importantes como ferramentas para se chegar a esses objetivos?
Elas sinalizam, são importantes para dar credibilidade ao Brasil. No caso do arcabouço fiscal, por exemplo, é uma sinalização importante para o mercado, para investimento, não tenho dúvidas, mas apenas ele não resolve os outros problemas. A gente precisa ter um conjunto de medidas. A mesma coisa é a reforma tributária, ela é essencial para próximos 10 anos. Ela vai destravar o crescimento para a próxima década.
O governo enfrenta dificuldades de articulação no Congresso. Acredita que esses dois projetos vão ser aprovados?
Estou otimista. Por mais que haja polarização no país, existe um sentimento de que algumas medidas tem de ser feitas. O Brasil é de todo mundo, a gente não pode trabalhar para o país dar errado. Claro que tem, na classe política, aqueles que vão fazer oposição gratuita e irresponsável, mas uma oposição responsável também olha para os projetos. E existe também uma base de governo, por mais fluida que seja, que fala: "Isso aqui é importante para o país, vai trazer investimento, gerar emprego, destravar setores da economia, colaborar para o desenvolvimento regional". Tem esse sentimento de responsabilidade do Congresso. E eu estou otimista, acho que vão ser aprovados. É importante que sejam aprovados no primeiro ano.
Que outras medidas são necessárias?
Regulação do mercado de carbono, que o Congresso está discutindo, que pode trazer investimentos para o Brasil, marcos regulatórios no setor energético, que vão alavancar investimentos para transição energética e descarbonização, medidas de melhoria do ambiente de negócio. O Brasil tem tanto desafios que, de tédio, a gente não morre. (risos) A gente sempre vai ter uma reforma para fazer. Agora é essencial que a gente também olhe para os principais programas, alocação de recursos públicos e avaliar se eles estão, de fato, atingindo seus objetivos. Tudo isso é um processo complementar: um bom alinhamento entre orçamento, planejamento, monitoramento e avaliação. É um ciclo clássico da gestão, que, no Brasil, a gente quebrou. A gente faz o orçamento, mas muitas vezes não conversa com o planejamento, não há avaliação constante, então, nem sempre a alocação é eficiente. Tem espaço para melhorar.
A ministra (Simone Tebet) tem uma postura muito leal e colaborativa. A gente já viu muitos ministros de Planejamento e Fazenda brigando. Não é o que ocorre.
Como reduzir a dependência do agronegócio e desenvolver outros setores da economia?
Isso está em discussão no governo, uma diversificação da economia. Você poder verticalizar a cadeia do agro, industrializar a partir dela. A gente tem um programa do PPA, que se chama Neoindustrialização, que o Geraldo Alckmin está coordenando. Depois de ter conhecido muito a região Sul e a força que tem o agro e sua cadeia é algo que a gente não pode considerar um problema. O grande desafio é como essa cadeia pode se desenvolver de maneira sustentável. Porque o tema da sustentabilidade socioambiental e climática está no mundo inteiro. E, se a gente não se ajustar a isso, a gente não vai vender mais. A gente pode perder inclusive isso, que é algo importante, que está em torno de 30% do nosso balanço de pagamento, que é agro. De outro lado, a gente precisa gerar mais empregos de qualidade, de alta renda. Ter um certo nível de industrialização é importante. A gente percebe essa realidade do RS: as cidades que têm atividade econômica mais sofisticada geram mais emprego, renda e arrecadação.
Como está a relação entre Planejamento e a Fazenda? São conhecidas as visões divergentes da ministra Simone Tebet e o ministro Fernando Haddad.
Está uma relação muito boa, positiva. A ministra tem uma postura muito leal e colaborativa. A gente já viu muitos ministros de Planejamento e Fazenda brigando. Não é o que ocorre. Estou falando muito sinceramente. Eles (Simone e Haddad) pouco se conheciam. Ela entrou no final do processo de apoio ao presidente Lula, foi uma das últimas ministras a ser anunciadas. Entrei em 1º de fevereiro, tenho quatro meses só de ministério. Não a conhecia. Eu vim parar no governo federal do jeito que fui parar no RS. Não conhecia o governador Eduardo Leite. Foi uma grande oportunidade. E agora foi a mesma coisa: não conhecia a ministra. Eu queria voltar para Brasília, onde tenho meu filho caçula, minha mãe, meus amigos. O governador Eduardo me chamou, fiquei lisonjeada, tive convite de cinco Estados, inclusive do RS e de Pernambuco. Mas eu estava com saudades da família, queria voltar para casa.