O governo Lula avalizou um documento da gestão anterior, do presidente Jair Bolsonaro, com indicações de classificação sobre faixa etária que deverão serão veiculadas no início de programas radiofônicos de entretenimento.
Com 41 páginas, o chamado "Guia Prático de Classificação Indicativa para Rádio" foi produzido pela equipe do Ministério da Justiça e Segurança Pública sob o comando do então ministro Anderson Torres, mas publicado no Diário Oficial da União em 7 de fevereiro de 2023, já sob a gestão do atual titular, Flávio Dino.
O texto, que flerta com censura e cria embaraços à liberdade de programação das emissoras do país, diz como deve ser feita a análise de conteúdos de rádios e como as empresas podem realizar a autoclassificação temporária de produções próprias até que haja a verificação definitiva. Estabelece também idades mínimas para conteúdos relativos a sexo, nudez, drogas e violência.
No trecho sobre sexo, por exemplo, são admitidos, desde que com a indicação "não recomendado para menores de 12 anos", conteúdos como "diálogos, narrações ou descrições sobre sexo, em qualquer contexto, sem que haja apresentação de vulgaridades, detalhamentos ou sem que o diálogo seja erótico ou estimulante". O documento acrescenta que "a sexualização deve ser latente, seja pela valorização de alguma característica física ou alguma qualidade sexual do indivíduo".
No trecho sobre "linguagem chula", chama atenção no documento governamental o uso de palavras como "m*erda, c*, b*ceta, p*rra, p*ta, etc", admitidas também, desde que com a indicação "não recomendada para menores de 12 anos".
Na parte sobre violência, o documento indica como "não recomendado para menores de 18 anos" o que chama de apologia à violência, e cita como exemplos diálogos em programas de rádio com frases como "bandido bom é bandido morto" ou "a população tem mesmo é que linchar esse pessoal".
Procurado, o Ministério da Justiça informou que o guia é resultado do grupo de trabalho formado pela Coordenação de Política de Classificação Indicativa, em conjunto com a Associação Brasileira de Radiodifusores, a Federação Nacional das Empresas de Rádio e Televisão (Fenaert) e a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert).
A primeira reunião do grupo ocorreu em 2 de fevereiro de 2022. O documento final foi apresentado no site do Ministério da Justiça e Segurança Pública em 20 de dezembro. O órgão informou ainda que foi solicitada a publicação oficial no ano passado, mas que ela não ocorreu: "Por este motivo, as autoridades ali citadas (do governo Bolsonaro) são aquelas que estavam empossadas à época. Não caberia, portanto, a alteração dos nomes dos responsáveis pelo trabalho", explicou, em nota.
O governo informou ainda que "a política de classificação indicativa não tem por pretensão estabelecer qualquer espécie de limitação sobre o que os cidadãos brasileiros podem (ou devem) ver ou ouvir". E acrescentou: "A regulamentação tem caráter meramente indicativo, e informativo, para que os destinatários do conteúdo exerçam com plenitude sua liberdade de opção de consumir, ou não, em especial pais e responsáveis de crianças e adolescentes".
Questionado se o guia representa o pensamento do atual governo, o ministério afirmou: "Representa o cumprimento da legislação em vigor (Constituição Federal, ECA e Portaria n°502/2021)".
As regras passam a valer a partir de 7 de fevereiro do ano que vem. As respostas aos questionamentos sugerem que a publicação do guia foi feita no piloto automático, sem análise aprofundada. Sob anonimato, integrantes da gestão atual admitem que o documento deveria ter sido barrado.
Abert monitora implementação de guia
A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) informa que monitora o tema e que está orientando as empresas de rádio em relação à implementação da classificação indicativa disposta no guia.
A entidade, que representa mais de 3 mil emissoras privadas de rádio e TV do país, confirma que participou do grupo de trabalho para a construção do documento: "Há alguns anos, o Ministério da Justiça estabeleceu em portaria que os programas radiofônicos deverão conter classificação indicativa, mas, a matéria nunca tinha sido regulamentada. Em 2021, com a publicação da portaria nº 502/21, foi, então, fixado um prazo para a regulamentação do tema por meio da elaboração de um Guia Prático para o rádio.
Durante as discussões, o setor expôs que a regulamentação poderia criar embaraços à plena liberdade de programação das emissoras, em razão das especificidades e peculiaridades do segmento rádio: "A posição da Abert foi de que o tema ainda precisaria ser mais bem discutido e amadurecido para a implementação da classificação indicativa no rádio", diz.
Em nota à coluna, a entidade afirma: "apesar de o Guia ter sido publicado, a Abert afirma que reconhece que o Ministério da Justiça acolheu boa parte das sugestões durante as discussões do grupo de trabalho, "minimizando sobremaneira os impactos negativos que a implementação da classificação indicativa causará à atividade econômica de radiodifusão sonora". A representante do setor também lembra que precisarão ser classificados apenas os programas de entretenimento e variedades, sendo dispensados da classificação os programas musicais, de cultos litúrgicos, jornalísticos, esportivos, educativos e culturais.
A Abert, porém, informa que o ministério não acolheu uma contribuição importante de criação de regras de transição, simplificação e flexibilização para emissoras de pequeno porte: "No âmbito da radiodifusão, há um número expressivo de emissoras que operam em cidades menores, que não possuem um corpo técnico e estrutura para arcar com os custos da implementação da classificação indicativa".