A primeira viagem internacional de Lula como presidente, à Argentina e Uruguai, indicou que o Brasil priorizará os vizinhos em sua política externa. Cumprida essa missão, o governo tratou de cuidar de outros voos. A intenção era visitar a China, principal destino das exportações brasileiras, o mais rapidamente possível. Mas, para não desagradar ao governo Joe Biden, primeiro a reconhecer o resultado das eleições de outubro e a condenar os ataques golpistas de 8 de janeiro, a visita a Washington foi antecipada.
A um primeiro olhar, pode parecer tratar apenas de uma questão de agenda. Não é: indica como o governo Lula precisará equilibrar-se, nos quatro anos, entre as duas potências que disputam a hegemonia global.
Resolvido o calendário - Lula esteve nos EUA na sexta-feira (10) e irá à China em março -, o presidente buscou, na visita a Biden mostrar a cara de sua agenda externa. A amplitude dos temas a serem debatidos na uma hora em que ele ficaria na Casa Branca - acabaram sendo duas - permite antever a pretensão do governo em geral e do presidente em particular em se lançar como ator global.
Mesmo quando Lula falava de Brasil, discursava para o mundo: defendia o ingresso dos EUA no Fundo Amazônia, mas pedia recursos de países desenvolvidos para nações pobres, sem condições de cuidar de sua biodiversidade; defendia a democracia brasileira e americana, mas tratava os ataques às instituições como problema decorrente da ascensão da extrema direita global; reivindicava a reforma do Conselho das Nações Unidas, com ingresso não só do nosso país, mas de Alemanha, Índia e África do Sul.
As ambições, no entanto, precisam estar lastreadas pela realidade. Ao final do encontro Lula-Biden, os dois governos ressaltaram consensos: os dois países pediram “paz justa e duradoura” na Ucrânia, citaram a urgência da crise climática e do combate ao extremismo. Mas sabe-se que há dissensos: no tratamento à Venezuela e a Cuba, na Organização Mundial do Comércio (OMC) e em relação à própria crise com a Rússia.
No caso da guerra, vale lembrar que excesso de voluntarismo, como na tentativa de acordo nuclear com o Irã, em 2010, pode resultar em patrolamento na arena global. Aliás, em se tratando de poder, vale lembrar que os cinco membros do Conselho de Segurança da ONU nunca abriram margem para a reforma do órgão, justamente para não perderem privilégios. Cabe ao Brasil exercitar o pragmatismo, utilizando-se da parceria com a China como barganha na mesa de negociações com os EUA e fugindo dos alinhamentos automáticos, que tanto depuseram contra os interesses brasileiros nos últimos anos.