A confusão na Câmara dos Deputados dos Estados Unidos, onde pela primeira vez em cem anos o partido que tem maioria não consegue eleger o presidente da Casa na primeira votação, é sintoma do mal que Donald Trump fez à política americana. O tradicional Partido Republicano está sequestrado por uma minoria ruidosa que busca de várias formas tumultuar o processo democrático.
Aos fatos: como de costume, o partido que conquista a maioria na Câmara não tem dificuldade de eleger o presidente da Casa, porque, em tese, todos os membros da legenda votam no nome escolhido para o cargo. Os republicanos reconquistaram o comando nas eleições de meio de mandato, em novembro, por uma diferença muito pequena: 222 a 212. Esperava-se que todos os republicanos votassem para a presidência no nome indicado pelo partido, do deputado Kevin McCarthy.
Não foi o que ocorreu. Na primeira votação, 19 republicanos votaram em outro deputado para o cargo de speaker (como os americanos chamam o presidente da Casa), o deputado Andy Biggs. Isso fez, inclusive, com que os democratas vencessem a primeira disputa por 212 a 203.
Nas duas outras votações, o cenário se repetiu, com algumas variações. Mas com McCarthy não superando 203 votos - para ser eleito, são necessários 218 ou mais.
Alguns republicanos desse núcleo mais radical, próximo ao ex-presidente Donald Trump, chegaram a votar em colegas que nem estavam na cédula, como Jim Jordan.
A ala mais conservadora do Partido Republicano, embora pequena, com entre 10 e 12 deputados, faz bastante barulho. Eles estão incomodados com o fato de McCarthy, que chegou a ser o líder do governo Trump na Casa, ter se afastado das pautas morais - e, de certa forma, do próprio ex-presidente. No atual cenário polarizado americano, o deputado pela Califórnia é um moderado. Os ventos conservadores sopram, cada vez mais, da Flórida, com influência do governador Ron De Santis, candidatíssimo na disputa interna da legenda para disputar a Casa Branca, em 2024 - o que pode prejudicar, inclusive, os planos de Trump.
Os deputados continuarão votando, nesta quarta-feira (4), até que se chegue à maioria absoluta. Não há limite. No passado, já se superou mais de cem votações nas raras vezes em que houve esse impasse interno. Enquanto isso, a Câmara fica paralisada, sem que a nova legislatura, eleita no pleito de novembro passado, assuma.