Com a experiência de quem chefiou as representações brasileiras na Noruega, no Panamá e na Nicarágua, o embaixador Flávio Macieira foi designado pelo Itamaraty para reabrir a embaixada do Brasil na Venezuela, fechada em março de 2020 pelo governo do presidente Jair Bolsonaro. Naquele mês, os quatro diplomatas e 11 funcionários que trabalhavam na sede e nos consulados foram retirados. O Brasil foi um dois mais de 50 países que reconheceram o líder da oposição, Juan Guaidó, como "presidente interino" da Venezuela, distanciando-se do ditador Nicolás Maduro.
Ao assumir, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva retomou as relações com a Venezuela, e Macieira, junto com uma equipe, foi enviado para Caracas para a averiguação da situação dos imóveis, de propriedade brasileira, e a retomada das relações diplomáticas com a Venezuela.
Macieira, que voltou a Brasília após 10 dias de trabalho em Caracas, retornará para a capital venezuelana na semana que vem. No período em que esteve lá, foi recebido por Rander Peña, vice-ministro para América Latina do Ministério do Poder Popular para Relações Exteriores, enviado do governo de Nicolás Maduro, para a recepção. O embaixador atua, no país, como encarregado de negócios, enquanto o governo Lula não indicar um nome para assumir a embaixada. O Itamaraty informa que o envio da missão reflete "a decisão do governo brasileiro de normalizar as relações bilaterais, permitindo a retomada de tratativas com o governo venezuelano sobre os diferentes temas que compõem a agenda entre os dois países". A seguir, trechos da entrevista que Macieira concedeu à coluna.
Como foi a missão em Caracas?
Voltei (ao Brasil), mas vou voltar para lá (Caracas). Foi decidido que seria assim, em duas fases, até para discutir aqui como vamos proceder. Abrimos a embaixada, está juridicamente aberta. Voltou a funcionar. E deixei colegas lá. Só eu que vim para cá, porque é preciso equacionar bem aqui, sobretudo para abrir logo que possível os serviços consulares, que estão em falta há três anos. Os cidadãos brasileiros lá precisam se reportar à embaixada em Bogotá, o que é um incômodo. A nossa ideia é melhorar esse atendimento à comunidade brasileira. Sempre foi assim, uma das bases dos períodos Lula na presidência: atendimento à comunidade brasileira no Exterior.
Quanto tempo o senhor ficou em Caracas?
Eu fiquei 10 dias, fizemos um relatório, uma espécie de avaliação completa. Estou aqui em sucessivas reuniões, conversando com as pessoas, sobre o que precisamos para fazer a coisa bem rápido lá, economicamente, objetivamente. Os colegas que foram comigo conhecem muito essa sistemática de abertura de postas. Reabertura é até uma coisa mais rara. Mas está acontecendo, e é semelhante a uma abertura.
Qual a situação dos prédios?
Os imóveis estavam fechados, administrados por uma empresa que tomava conta, limpava, dava segurança. Só isso. Mas não tem pessoal trabalhando. Todo o trabalho agora é de selecionar pessoal novo para poder recomeçar.
É como começar do zero?
Do zero não é porque já tem os imóveis. Isso é um grande ponto de saída. Mas, por exemplo, o consulado, como era alugado, precisa ser recolocado. Nós vamos, provavelmente, começar a atender no que hoje é a chancelaria da embaixada, os escritórios, mas a ideia é independizar o consulado. Lá é um lugar que tem muito movimento. E tem outros postos consulares, que são em cidades da fronteira, do interior. Temos mais três postos consulares lá. E, por sorte, tinha um cônsul honorário que nos ajudou muito. Esse não parou de atuar todo o tempo, abnegadamente, por conta própria.
O prédio da embaixada é próprio ou alugado?
É um apartamento próprio. A residência brasileira e a chancelaria são próprias, o que é um procedimento muito bom se todos fossem assim, nas embaixadas mundo afora, muito lógico do ponto de vista administrativo. E aqui, em um país da fronteira, não podemos ter uma interrupção de atendimento. É muito bom para o serviço que tenhamos esses imóveis lá.
Não havia mais diplomatas brasileiros?
Não, a administração anterior retirou todos,. Todo o staff. Não só diplomatas, mas também funcionários. Às vezes, acontece, nesses rituais diplomáticos, acontece de retirar só o embaixador, por exemplo. Mas, nesse caso, houve uma retirada geral, fechamento do pos
o, de forma provisório. Por uma graça continuaram a estar lá os imóveis, isso já é um grande começou.
Quando o senhor fala os imóveis, o senhor está falando da embaixada, um apartamento...
Isso, e de uma casa que será a residência oficial do embaixador.
E os outros consulados?
Esses eram alugados, foram devolvidos. E todo o material está depositado lá, no local da embaixada.
Então, seria em um primeiro momento a embaixada e o consulado?
Em um primeiro momento, é só embaixada. Só que na embaixada, vamos ter uma seção, assim que possível, teremos funcionários capacitados a operar as rotinas consulares, vamos ter uma sessão de atendimento consular dentro da embaixada.
E os outros consulados?
A minha expectativa é que sejam reabertos pouco a pouco, mas não imediatamente, porque tudo tem de ser progressivo. Não dá pra fazer tudo ao mesmo tempo. Até porque é difícil haver funcionários disponíveis. Tudo isso terá de ser equacionado pouco a pouco.
Como foi o contato com o governo Maduro?
A expectativa pela volta da diplomacia brasileira é muito grande. Em todos os setores, no governo, na sociedade, no meio cultural. A assertividade é muito boa. O Brasil é visto como o país que sempre trouxe muita dinamização do ambiente econômico. Era uma relação muito densa e dinâmico. A expectativa é de que tudo seja retomado nas bases mais estáveis e viáveis possíveis.
O senhor se encontrou com representantes de governo?
Encontrei com um vice-ministro que foi me receber no aeroporto.
Com Maduro, não?
Não, com o presidente Maduro, não. Foi um período curto. Eu, claro, estava à disposição. Mas é que há uns ritos. Eu tive de me apresentar ao chefe do cerimonial para dizer a ela que eu estava disponível para todos os contatos. Vamos dizer que, depois dessa primeira ida, que foi muito logística, toda a minha missão lá é basicamente administrativa. Mas é claro que na reabertura da embaixada há uma mensagem de retomada de relações. Então, eu, sim, vou fazer um programa de visitas, sem nenhuma pressa, mas vou ver autoridades que interessem para essa reativação, que sejam mais diretamente ligados a temas brasileiros. O presidente escapa um pouco ao meu nível, como encarregado de negócios. E isso acontecerá caso seja julgado conveniente. A minha tarefa é efetivamente abrir a embaixada. É isso o que tenho de me concentrar lá.
O que o senhor percebeu no contato com o cidadão comum venezuelano?
Confinado na embaixada, trabalhando, saindo só pra ir a um restaurante aqui e ali ou conversando no corpo diplomático, que sempre é um pouco a parte da vida cotidiana, o que posso ver lá, observando as lojas, por exemplo, o comércio, é que o país, nesse momento, tem tudo. Tem abastecimento muito melhor. Mas os preços são muito altos, porque houve um choque econômico. Aliás, muito bem conduzido aparentemente. Então, o país se dotou de condições de ter um salto econômico agora. Há uma previsão de 12% de crescimento em 2023, é um percentual altíssimo. Claro, partindo de uma base de uma economia que foi, durante algum tempo, uma economia muito deprimida. Mas, mesmo assim, é uma reativação muito importante, porque houve certa retomada da indústria do petróleo e há um reabastecimento do comércio, do mercado em geral. Aí, vão ter de resolver a questão de preço. O governo está trabalhando nessa direção.
Qual a sua opinião sobre reabrir a embaixada?
Eu acho que esse esforço vale a pena porque é um país muito importante. Chegou a ser o segundo destino de exportações brasileiras em toda a América Latina. No tempo em que estudei esse tema, cheguei a essa informação. Havia perspectiva de multiplicar muito, de vendas, de equipamentos, inclusive era uma venda muito qualitativa porque eram equipamentos industriais, eram coisas que o Brasil, é o melhor de uma exportação de alto valor agregado. Essa era uma boa oportunidade e muito bem usada. Então, a expectativa é de que isso volte. E é mão e contramão, que seja uma relação econômica muito forte, aí tem de equacionar a questão financeira. Tudo isso vai ser bem visto para que seja feito em base viável.
O que fica do fechamento da embaixada no momento da autoproclamação de Juan Guaidó?
Esse foi um episódio difícil da embaixada fechar em um país fronteiriço, com mais de 2 mil quilômetros de fronteira. Isso é algo altamente incomum para dizer o mínimo. Mas agora essa vai ser uma página virada.