Duas semanas depois de ter sido nomeado coordenador da área de educação da equipe transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, o gaúcho José Henrique Paim já tem um diagnóstico dos problemas da pasta e definidas as prioridades.
O economista e ex-ministro da Educação no governo Dilma Rousseff defende uma abordagem sistêmica de aprendizagem, com atenção das creches até a pós-graduação.
Na tarde de sexta-feira (18), Paim, que também foi presidente do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e secretário-executivo do MEC, recebeu o colunista em um hotel de Brasília, onde passou a semana em reuniões com a equipe de transição. Atualmente, ele é professor na Fundação Getulio Vargas (FGV). Durante a conversa, Paim destacou a necessidade de garantir acesso à internet a todos os estudantes do ensino público e abordou a possibilidade de voltar ao ministério a partir de 1º de janeiro. A seguir, os principais trechos.
O ex-ministro Fernando Haddad disse que uma das principais preocupações do núcleo de educação é a reorganização interna do Ministério da Educação (MEC) nos últimos quatro anos. Pelos dados que o senhor teve acesso até agora, qual é o diagnóstico?
O diagnóstico é que precisamos adaptar a estrutura do MEC àquilo que realmente é prioritário na educação brasileira: a recomposição da aprendizagem na alfabetização das crianças, passando pelos anos finais do Ensino Fundamental e, obviamente, em relação ao Ensino Médio. Isso deve ser prioridade e deve ser feito por meio da retomada do diálogo federativo, que é muito importante. Temos uma educação que se organiza no Brasil a partir de uma gestão compartilhada, que é autônoma, mas a União tem um papel muito importante. Por isso, existe o regime de colaboração. A União precisa apoiar técnico e financeiramente Estados e municípios para que possam ter ações estratégicas em torno da aprendizagem. Para isso, precisa oferecer as condições.
No núcleo da educação, há muitas personalidades com diferentes conhecimentos e experiências. Como vocês trabalham, como conversam? É possível manter o foco em meio a tantas pessoas?
Primeiro, tivemos um diagnóstico mais geral da educação e alguns princípios que foram acordados. O princípio é que a política educacional brasileira tem de estar associada ao que chamamos de visão sistêmica. Precisamos pensar da creche até a pós-graduação. Porque, quando falamos em educação básica, existe um elemento muito importante que é a formação de professores, que se dá no Ensino Superior. É importante uma ação do ministério que envolva todos esses níveis educacionais e, obviamente, cuidando de cada etapa da educação básica e do Ensino Superior. Nesse sentido, vamos dividindo por temas, e a partir do conhecimento, atuação de cada um, especialidade de cada pessoa, se é um secretário estadual ou municipal, se foi um gestor, um reitor, a gente vai definindo a contribuição que ela pode dar dentro da elaboração do relatório.
As reuniões são presenciais e virtuais?
Estamos trabalhando, em função da questão prática, com reuniões híbridas: pessoas que estão pessoalmente e outras que acabam fazendo sua participação de forma virtual. Tem funcionado muito bem, é uma equipe de alto nível. Temos também diálogo com vários setores, entidades, que têm demonstrado muito interesse em conversar e colocar suas percepções, preocupações, pontos de atenção, todos associados à questão orçamentária, política, pedagógica e de estratégia de ensino. Tudo isso tem sido apresentado, e estamos sistematizando essas informações para que a próxima ministra ou ministro venha a ter condição de trabalho melhor quando começar em janeiro.
Muito tem se falado sobre o retorno da ideia de atrelar o recebimento dos R$ 600 do Bolsa Família, atual Auxílio Brasil, à manutenção de crianças nas escolas? Já bateram o martelo?
Sem dúvida alguma. Vários estudos demonstram que o repasse do recurso para as famílias mais pobres associado a condicionalidades, tanto na área de saúde quanto de educação, faz toda diferença. Por essa razão, ao longo dos anos, fomos diminuindo o abandono e a evasão, melhorando a frequência na educação básica. Essa ação foi fundamental e precisa ser retomada, até porque temos uma questão adicional: os efeitos da pandemia. Políticas que incidem na melhoria da frequência e permanência do aluno são muito importantes. Além disso, precisamos buscar nos Estados e municípios ações que foram feitas durante a pandemia e que agora estão dando certo para que a gente possa replicar e dar escala no nível federal.
A pandemia escancarou o descompasso de tecnologia entre escolas públicas e privadas. Como falar de ensino digital em escolas que muitas vezes não têm estruturas mínimas?
O grande ponto agora é garantir, e a União tem de assumir esse papel e vamos recomendar isso no nosso trabalho, a conexão. Temos programas de assistência estudantil, como alimentação e transporte escolar, livro didático, que precisam ser recompostos, mas temos de incluir acesso à internet a todas as crianças e jovens na escola pública. Esse é o elemento central. A aprendizagem remota é elemento estratégico para a escola, inclusive na recomposição da aprendizagem. Tanto a escola quanto o estudante têm de ter as condições necessárias para que possam receber essa aprendizagem remota. Dando prioridade ao ensino presencial, mas trabalhando o uso de mediação tecnológica, de ferramentas para que essa criança e jovem possa recuperar esse tempo de aprendizagem que perdeu.
Falando de Ensino Superior, nos governos anteriores do PT houve um grande número de instituições de ensino que surgiram para atender a uma demanda de jovens que buscavam o diploma por meio de inventivos, como Prouni, Fies e Sisu. Mas a realidade financeira hoje do país também é diferente, haja vista as dificuldades orçamentárias. Como equalizar?
Tivemos um problema muito sério nesses últimos anos que tem a ver com a pandemia, mas também com a ausência de políticas que gerem oportunidade para os jovens. Isso, de certo modo, acabou levando o país a uma distopia. Temos uma redução enorme de participação dos jovens, daqueles que concluíram o Ensino Médio, no Enem. Isso é reflexo da desesperança dessas pessoas com a educação. É também reflexo da necessidade de muitos jovens de trabalhar. O que temos hoje é um quadro de pessoas com mais recursos enfrentando problemas psicossociais, porque tiveram de ficar em casa no período da pandemia, o que gera uma série de dificuldades, e de outro lado, jovens de famílias pobres que tiveram de sair para trabalhar e não estão voltando para a escola. Temos de ter uma política de oportunidades no Ensino Médio, na educação de jovens e adultos, no Ensino Superior e na educação profissional para que esse jovem tenha, quando voltar para a escola, ou quando trabalharmos a permanência dele na escola, uma perspectiva junto ao mundo do trabalho, ao setor produtivo.
Mas não há como falar de garantia das aprendizagens sem valorização de professores.
A garantia da aprendizagem é um direito que está inclusive na Constituição Federal, que precisamos perseguir. Todo propósito da educação básica brasileira, das secretarias de Educação estaduais e municipais tem de ser exatamente uma gestão voltada para a aprendizagem dessa criança e jovem. E sem dúvida temos de apoiar Estados e municípios para que possam trabalhar nessa direção.
E os professores?
Têm um papel fundamental nisso. Eles têm de estar motivados para fazer esse trabalho. É muito difícil implementar qualquer ação de recomposição da aprendizagem e de geração de oportunidades com o uso de toda essa rede pública se não houver alinhamento estratégico entre o professor que está na sala de aula, o coordenador pedagógico, o diretor da escola, a Regional do Estado e a secretaria. Esse alinhamento pedagógico tem de começar de baixo para cima. Qualquer ação que seja desenvolvida no âmbito do Ministério da Educação tem de contar com a participação dos Estados e municípios para que seja efetiva. Por isso é importante que tenhamos o que chamamos de instâncias de pactuação no âmbito do MEC e acreditamos que seja fundamental uma ação estruturante, que é aprovação do Sistema Nacional de Educação, que está no Congresso, e vai permitir que a gente tenha essa funcionalidade maior.
O senhor tem uma vasta carreira como professor e como agente público, aceitaria ser ministro novamente?
Passei 11 anos no MEC. Pelo trabalho que fiz no ministério, fui convidado pelo ministro Fernando Haddad para coordenar esse grupo. Obviamente que ele conversou com o presidente Lula sobre isso, e tenho um posicionamento muito claro: eu quero ajudar a educação do Brasil, esteja onde estiver. Hoje, estou trabalhando em uma instituição onde tenho responsabilidades em torno da gestão educacional básica brasileira, fazendo estudos, e eu vou estar lá à disposição de qualquer ministro que assumir para contribuir para que a gente possa fazer esse trabalho de recomposição da aprendizagem.