Um dos mais experientes oficiais brasileiros, o general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz avalia como "normal" a nomeação de um civil como ministro da Defesa e descarta atritos do futuro governo Luiz Inácio Lula da Silva com as Forças Armadas.
- Todo ministério é uma questão de escolha. Assim como o governo Bolsonaro escolheu alguns militares para diversas funções em ministérios, o futuro governo pode escolher civil. Não há problema algum. Faz parte de uma normalidade esse processo - disse à coluna, em entrevista em Brasília, onde reside.
Ex-comandante das forças da Organização das Nações Unidas (ONU) no Haiti e no Congo e ex-ministro da Secretaria de Governo de Bolsonaro entre janeiro e junho de 2019, o gaúcho de Rio Grande atuou também como ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República e secretário de Segurança Pública do Ministério da Justiça do governo Michel Temer.
Durante a conversa, o general avalia a demora do gabinete de transição em indicar nomes para o grupo técnico da Defesa. Na quinta-feira (17), o coordenador dos núcleos da transição, ex-ministro Aloizio Mercadante (PT) havia admitido a interlocutores haver "problema institucional" relacionado com as Forças Armadas.
A seguir, trechos da entrevista
Como o senhor está vendo essa demora do gabinete de transição para indicar nomes para o grupo de trabalho da defesa?
Não acho que tenha qualquer dificuldade. O presidente eleito está fora do Brasil. Devem estar esperando ele voltar para algumas definições. Isso é normal. Inclusive o ex-presidente Lula, agora eleito novamente, teve dois mandatos e, naquela época, nunca teve nenhum problema de relacionamento com as Forças Armadas.
Como o senhor acha que os militares vão receber a nomeação de um civil depois de dois ministros militares na Defesa?
Absolutamente normal. Houve vários civis. Isso é uma coisa absolutamente normal. Todo ministério é uma questão de escolha. Assim como o governo Bolsonaro escolheu alguns militares para diversas funções em ministérios, o futuro governo pode escolher civil. Não há problema algum. Faz parte de uma normalidade esse processo.
Mas há a proximidade de Bolsonaro com os militares e o antipetismo nas Forças Armadas.
Não vejo qualquer problema nessa área porque essa proximidade do atual presidente com os militares é como qualquer presidente que tem um relacionamento institucional. Os relacionamentos são muito institucionais, foi um pouco quebrado agora nesse governo de Bolsonaro, pela característica dele, pelo comportamento. Mas as instituições não têm preconceito institucional.
O senhor foi um dos primeiros críticos da politização das forças armadas.
Claro, não pode ter politização. E não só das Forças Armadas, mas todas as instituições de Estado. Você tem CGU, Receita Federal, Polícia Federal, Polícia Rodoviária, Advocacia Geral da União, Ministério Público, Itamaraty, todas essas instituições de Estado não podem ter preconceito nem preferência pessoal como instituição. Pessoalmente, você pode ter sua preferência. Você é um eleitor, votou em alguém, mas para o bem da nação, as instituições de Estado não podem tomar posicionamento político.
O senhor foi comandante da Minustah no governo do PT. Como é a sua relação com o presidente eleito, Lula?
Das poucas vezes em que tive contato pessoal, eu estava na ativa na época, eu era o comandante no Haiti, ele visitou duas vezes. E durante meu tempo, fiquei dois anos e três meses no Haiti. Sempre absolutamente normal, sem problema nenhum. Tive também uma oportunidade também na Noruega, em uma visita da comitiva brasileira, em que fui junto. Também sem problema nenhum. Você tem um respeito institucional, o respeito formal. Não interessa quem seja o presidente ou outro nível de autoridade, tem direito a um protocolo, isso tudo tem de ser mantido. Não pode entrar em nenhuma neurose de achar que aquilo que você pensa tem de gerar uma crise.
Há pontes a serem reconstruídas, não?
Na parte institucional, não vejo dificuldade nenhuma. Você não tem discurso político do presidente eleito em quartéis, em academia militar. O relacionamento normal, formal.
Hoje, o Mercadante disse aos jornalistas que teremos uma boa surpresa quando for anunciada a equipe de Defesa. O senhor foi convidado?
Não, nunca. Nada disso. Tomara que essas surpresas todas sejam bem aceitas e entendidas pela população.
E se for convidado, aceitaria?
Se for convidado, tenho de avaliar o convite primeiro. Mas nunca fui.
O senhor acha que se voltaria a ter forças de paz, como estratégia adotada no primeiro governo para projeção internacional?
Em 2004 começou a presença do Brasil no Haiti com muito destaque. A ONU manteve o Brasil na liderança, a posição de comando da força da ONU sempre foi do Brasil. Tudo isso projetou bastante o Brasil, mundialmente também. Fez parte da nossa política externa também. Depois, o Brasil foi para o Líbano, com a Marinha. E todo o conjunto de observadores militares. Eu acho que esse entendimento de força armada como projeção do Brasil no âmbito internacional pode retornar, mas aí depende também de espaço na próxima ONU, de orçamento de operação de paz, há várias outras condicionantes. Mas do ponto de vista político, acho que se torna mais fácil.