Muito já foi escrito sobre os quatro anos em que Donald Trump foi o comandante-em-chefe da nação mais poderosa do mundo, os Estados Unidos.
Nem bem ele havia esquentado a cadeira do Salão Oval e já havia livros sobre sua errática liderança. Para mim, a obra definitiva sobre seus anos como presidente é "Fear" ("Medo"), de Bob Woodward, o eterno repórter do Watergate e até hoje, aos 79 anos, o maior conhecedor dos bastidores de Washington. Mas há muitos outros livros sobre Trump e outros mais, certamente, ainda virão. Até porque há uma névoa que paira sobre sua administração, especialmente entre 3 de novembro de 2020, data da eleição que perdeu, e 6 de janeiro de 2021, da invasão da Capitólio. Foram 64 dias. Aliás, esse seria um bom título para um livro que contasse o que de fato ocorreu nesse hiato de tempo, esclarecesse o papel direto do presidente nas manobras para tentar anular a vitória do rival, Joe Biden, para desqualificar o processo eleitoral, e só deixar a Casa Branca, após espernear muito - a ponto de as forças armadas americanas terem um plano para retirá-lo do prédio, caso ele continuasse fincando pé.
Mas, até que surja um livro assim, que conte a história desses 64 dias em que a América por pouco não virou uma república de bananas, fiquemos com o que há nas melhores casas do ramo. O melhor livro da última semana sobre os anos Trump chama-se "Confidence Man: The Making of Donald Trump and te Breaking of America", de Maggie Haberman, jornalista do The New York Times. A obra ainda não está disponível no Brasil (e ainda não a li), mas, pelo que se vê nas resenhas de veículos internacionais, seu grande mérito é contar, além de alguns bastidores do governo que ainda desconhecíamos - como o fato de que Trump tentou demitir sua filha, Ivanka, e o genro, Jared Kushner, usando o Twitter -, o livro revela uma parte pouco conhecida de sua vida como empresário. Maggie, como repórter dos tabloides New York Post, Daily News e, posteriormente, Politico, antes de chegar ao Times, teve acesso amplo ao empresário Trump.
A jornalista deu várias informações exclusivas sobre o então magnata - a ponto, inclusive de, em 2015, Trump pedir que ela anunciasse sua candidatura à presidência em primeira mão. Trump, muito antes das redes sociais, era um aficionado por manchetes de jornais (de preferência nas quais aparecia), ao estilo "falem mal, mas falem de mim". Esse traço de sua personalidade, presente no livro de Maggie, ficaria explícito na Casa Branca, quando, segundo alguns biógrafos, acordava com o dedo pronto para digitar em seu smartphone algum post contra a mídia, contra funcionários, contra tudo e contra todos - quando não demitia secretários do próprio gabinete pela rede social Twitter.
O livro de Maggie ensaia algumas reflexões sobre o jornalismo na era Trump - algo que já apareceu na obra "O inimigo do povo", do repórter da CNN Jim Acosta, lançada no Brasil. A imprensa americana aprendeu, antes da brasileira, sobre como lidar com um presidente que mente e espalha desinformação, a ponto de algumas redes de TV terem decidido cortar a transmissão de um discurso presidencial ao detectarem que o pronunciamento transformara-se em palco para fake news. Algumas informações presentes no livro de Maggie, que volta e meia vazavam para a imprensa, ganham agora caráter documental. Por exemplo: sabe-se que Trump rasgava documentos e os jogava na privada; descobre-se que, ao adoecer pela covid-19 (que, aliás, ele minimizou gravidade), o presidente temia morrer; pensara em bombardear laboratórios de drogas no México; e pedira a seu advogado, o ex-prefeito de Nova York Rudolph Giuliani, que fizesse "qualquer coisa" para anular o resultado da eleição de 2022.
- Rudy, você está no comando. Enlouqueça, fala o que quiser. Eu não me importo - chegou a afirmar, depois que outros advogados se recusaram a atender seus pedidos para tentar anular o pleito.
Há outras frases de efeito.
- Simplesmente não vou sair (da Casa Branca) - teria dito a um assessor. - Nunca iremos embora - afirmara a outro.
Para escrever o livro, Maggie ouviu mais de 200 fontes entre assessores próximos do então presidente, familiares e inclusive fizera três entrevistas com Trump.