A crise envolvendo a inauguração do Nord Stream 2, sepultado no início da guerra da Ucrânia, foi apenas avant-première de algo mais grave, que começa a se desenhar na Europa: ainda que nenhum metro cúbico de gás russo tenha fluido pelo gigantesco gasoduto que seria inaugurado este ano, a suspensão da operação indicava que o insumo seria utilizado como arma no confronto entre o Kremlin e o Ocidente. Era só um aperitivo do enrosco que a Europa se meteu ao entregar demais o funcionamento de suas fábricas aos interesses russos.
Agora, com a interrupção total do envio de gás pelo gasoduto mais antigo, o Nord Stream 1, o presidente Vladimir Putin dobra a aposta. Nesta quarta-feira (7), durante o fórum econômico de Vladivostok, ele reiterou que o fornecimento de gás para a Alemanha só irá ser retomado quando uma turbina chave for devolvida.
A tática é conhecida: Putin transfere para a vítima a culpa.
Aos fatos: a Europa enfrenta uma crise de combustível no inverno e o aumento nas contas de energia depois que a Gazprom suspendeu totalmente o gás fornecido pelo Nord Stream 1, justificando ter encontrado um vazamento de óleo do motor durante manutenção.
- Dê-nos uma turbina e vamos ligar o Nord Stream 1 amanhã. Mas eles não nos dão nada - disse Putin.
As turbinas são de fabricação alemã e canadense - e as sanções econômicas impostas pelo Ocidente dificultam o reparo. Há semanas, uma das peças está presa em um limbo burocrático na Alemanha, com os governos dos dois países discutindo sobre quais são os documentos necessários para autorizar seu transporte.
Há cheiro de chantagem no ar. Na semana passada, a Gazprom interrompeu o fluxo no Nord Stream 1 para uma manutenção de três dias. Diante da tensão, já esperava-se que não fosse religado. Um mês atrás, quando ficou parado por 10 dias, ele foi reiniciado. Mas, dias depois, o fluxo de 40% de gás de antes do reparo foi reduzido a 20%.
Agora, a Gazprom cortou completamente o envio, alegando vazamento de óleo em uma turbina, que ajuda a bombear combustível.
Pano de fundo: a Rússia barganha, quer fazer com que o Ocidente recue com as sanções impostas por causa da agressão à Ucrânia. Ao não voltarem atrás, os países europeus acabam pagando um preço interno alto - ainda que a conta não tenha chegado. Não foi por isso que os governos britânico e italiano caíram, mas a pressão doméstica começa a crescer. O preços da energia deram um salto no continente. O Reino Unido, da nova primeira-ministra Liz Truss, por exemplo, prevê a "catástrofe de inverno" - ainda que o termo seja um tanto exagerado, estamos falando de 80% de aumento da energia. Segundo: a Bloomberg informou que os preços de referência do gás na Europa fecharam em alta de 15% na terça-feira (6), após saltarem até 35% durante o pregão. O preço do carvão bateu recorde no continente.
O corte de oferta também repercute nos mercados, com impacto nas ações e no euro.
Há duas certezas: primeiro, Putin, como bom estrategista que é, vai estressar ao máximo a crise, esticando a corda e usando o gás como moeda de troca para a suspensão das sanções, que, diga-se de passagem, não vêm funcionando para conter suas tropas no front. Segundo, a Europa confiou demais na Rússia ao longo dos últimos anos, entregando a Putin a produção de gás que faz mover as fábricas dos países e aquece os lares do continente. Quanto a isso, não há muito o que fazer. Os europeus não têm condições de substituir suas fontes primárias de energia, como o gás, tão rapidamente. O impacto econômico - e, a médio prazo político - é inevitável.