A guerra na Ucrânia ofuscou um dos processos eleitorais mais importantes de 2022: a disputa pela presidência da França, cujo primeiro turno será realizado domingo (10). O pleito deve repetir a disputa de 2017, quando o atual presidente, Emmanuel Macron (República em Marcha!, de centro) venceu a candidata da extrema-direita Marine Le Pen (à época na Frente Nacional, hoje Reagrupamento Nacional).
Nas pesquisas, Macron tem 29% da preferência, contra 21% de Le Pen. A extrema-esquerda, representada pelo candidato Jean-Luc Mélenchon, do França Insubmissa, tem 15%. Eric Zemmour (do Reconquista, extrema-direita) aparece empatado com Valérie Pécresse (Republicanos, direita), cada um com 10%.
A popularidade de Macron cresceu com a guerra na Ucrânia. Apesar de suas tentativas de se apresentar como mediador não tenham dado muito certo (lembrem da frieza com que foi recebido por Vladimir Putin, no Kremlin, dias antes da invasão, com destaque para a imensa mesa ovalada que roubou a cena), a maioria dos franceses, mesmo que com ressalvas, entende que ele é o melhor líder para lidar com a questão. Pesquisa do Instituto Harris mostra que, para 58% da população, Macron está a altura do desafio e 65% diz que o conflito deve influenciar seu voto. Em resumo, pensam que não se deve trocar o presidente em meio a uma guerra no continente.
Na esteira da guerra, no entanto, aparece um problema amargo para Macron — e que favorece a extrema-direita: a questão da migração. Com 4 milhões de pessoas tendo fugido da Ucrânia, a Europa vive a maior onda de refugiados desde a Segunda Guerra Mundial. Embora no discurso de Le Pen e Zammour apareça o migrante muito mais como uma ameaça à segurança francesa (proveniente do Oriente Médio e da África), a narrativa de que "ele vai roubar nossos empregos" volta e meia retorna. Le Pen propôs um referendo sobre reduções na imigração, e Zemmour quer mandar de volta 100 mil imigrantes por ano.
Ambos candidatos também já manifestaram simpatia por Putin no passado.
A gestão da pandemia de coronavírus também favorece Macron, entendido como um líder que soube manejar a crise. A atividade econômica da França, incrivelmente, está hoje superior ao período pré-covid-19. E a criação de empregos é a mais alta em décadas — taxa de desemprego é de 7,4%, bem próximo da promessa de campanha, feita em 2017, de baixá-la a 7%. Mas há alertas no horizonte. Como a maioria dos vizinhos europeus, o país viu a inflação aumentar (de 2,9% em janeiro para 3,6% em fevereiro), o que deve elevar os preços. O preço da eletricidade subiu cerca de 4%, e os alimentos já começam também a ser impactados pelo conflito na Ucrânia.
E aí residem os maiores riscos a Macron, o dinheiro no bolso dos franceses. Durante a pandemia, o governo distribuiu vales de 100 euros para pagamento de energia e mais 100 euros em "cheques inflação" para famílias pobres. A perda do poder de compra não apenas pode tirar votos de Macron (embora dificilmente lhe tirem a vitória no segundo turno), mas devem provocar descontentamentos no segundo mandato. Basta lembrar que, antes da guerra e da pandemia, no distante 2019, o aumento do imposto sobre os combustíveis e a reforma da Previdência, que acabou não passando, provocaram o maior terremoto político da história recente francesa. Os coletes amarelos voltaram aos porta-malas dos veículos. Mas basta um estalar de dedos para voltarem a ser vestidos.