O presidente do Chile, Sebastián Piñera, é um sobrevivente político. Quando os protestos irromperam no país, no final de 2019, ele mandou os militares para as ruas e decretou estado de exceção, movimentos que produziram cenas equivalentes aos traumáticos anos da ditadura de Augusto Pinochet.
- Estamos em guerra - foi uma de suas frases infelizes.
Recuou a tempo, antes que fosse destronado pela revolução que escancarara as mazelas do pobre país rico latino-americano. Reconheceu o erro e, ato contínuo, pediu perdão aos chilenos pela falta de visão de problemas históricos, como aposentadorias, discrepâncias sociais, cuja saúde e educação eram (e são) os pontos nevrálgicos da maior vitrine neoliberal do continente.
As maiores manifestações políticas desde o fim do regime militar, contra tudo e contra todos, acabou tirando Piñera do foco. Mas ele também soube surfar na onda dos protestos. Ou fazia isso ou seria saído do La Moneda. No apagar das luzes de 2019, quando o mundo começava a olhar para a tempestade sanitária que se agigantava no Oriente, Piñera, vivendo uma tormenta política dentro de casa, convocou um plebiscito sobre nova Constituição. A última ainda era do tempo de Pinochet.
O Chile, que desde o início liderou a corrida pela vacinação contra a covid-19 no mundo, realizou um processo democrático no auge da pandemia no continente, em 26 de abril. Mais de 80% dos chilenos disseram que queriam uma nova Carta Magna e que essa deveria seria escrita por novos parlamentares.
Enquanto a confecção da nova Constituição atrasa seu cronograma, em parte devido à dificuldade natural de amalgamar interesses diversos de tantas correntes ideológicas, Piñera de novo treme na cadeira presidencial.
Nesta quarta-feira (13), deputados de todos os partidos da oposição apresentaram uma acusação formal ao Congresso para destituí-lo. O argumento para um possível impeachment é a polêmica venda de uma mineradora em um paraíso fiscal, revelada no caso Pandora Papers. Essa acusação soma-se a uma investigação penal pelo Ministério Público há cinco dias pela mesma operação: a venda da mineradora Dominga, em 2010, por parte de uma empresa dos filhos de Piñera quando ele estava em sue primeiro mandato, entre 2010 e 2014. Conforme um investigação dos meios de comunicação chilenos Ciper e LaBot, que integra, o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), a mineradora foi vendida ao empresário Carlos Alberto Délano, amigo íntimo de Piñera, por US$ 152 milhões em um negócio efetuado em parte nas Ilhas Virgens Britânicas.
Na Câmara, o processo de impeachment deve passar, uma vez que a oposição tem maioria. No Senado, a coalizão Chile Vamos, de Piñera, também não é majoritária. A disputa será, no entanto, maior. São necessários dois terços dos votos para destituir o presidente.
Piñera seguirá no cargo enquanto o processo avançar no Congresso. E tem o tempo a seu favor. Em 21 de novembro, ou seja, em pouco mais de um mês, haverá o primeiro turno das eleições presidenciais. Tudo indica que, mais uma vez, sobreviverá.