Não foi do dia pra noite que o Reino Unido mergulhou em uma crise de abastecimento que ameaça a retomada da economia após a covid-19. Durante os cinco anos da novela do Brexit, alguém esqueceu de alinhavar um ponto importante ao suturar a ferida aberta pela ruptura entre a Ilha de Sua Majestade e a União Europeia (UE). E essa era uma questão tão importante que, ao ficar de fora das planilhas, ameaça todo o resto.
Em razão da pandemia, mais de 100 mil motoristas de caminhão, a maioria do Leste Europeu, voltaram para seus países de origem, como Romênia e Bulgária. Quando o Reino Unido pertencia à UE, até janeiro deste ano, todos os cidadãos europeus tinham direito de trabalhar do outro lado do Canal da Mancha porque o fluxo intraeuropeu era mais simples. Com o Brexit, as novas leis migratórias agora obrigam os caminhoneiros que vivem nas nações do bloco a solicitarem vistos de trabalho no Reino Unido, um trâmite demorado e caro. A mão de obra local não consegue suprir essa demanda.
Ou seja, em um dos lados da cadeia, como de hábito, há consumidores ávidos por comprar em lojas, restaurantes, supermercados e pubs. Em outro, a produção está a todo vapor. O problema é o meio: falta quem faça o transporte.
Resultado: em todo o país frutas e verduras estão apodrecendo nas lavouras, enquanto as prateleiras dos mercados estão vazias. A rede McDonalds suspendeu a venda de milkshakes, a KFC ficou sem molhos e temperos, e no sistema nacional de saúde, o NHS, faltam tubos de coleta para exames de sangue.
Nas últimas semanas, a crise chegou ao setor energético. A escassez de combustível nas bombas e os pedidos do governo Boris Johnson para que os britânicos fossem comedidos aos abastecer seus veículos gerou um efeito contrário. Os motoristas lotaram os postos, levando a BP e a Shell a fechar as estações. O Reino Unido, acostumado a enfrentar guerras ao lado dos Estados Unidos no Exterior, agora precisou mobilizar o exército para lidar com uma crise dentro de casa.