O futuro do governo Joe Biden nos Estados Unidos está sendo jogado na Geórgia. Não falo da recontagem de votos, que o Estado realiza a pedido da campanha de Donald Trump porque a diferença em relação ao democrata ali foi de menos de meio ponto percentual (14.028 votos, o equivalente a 0,3%). Mesmo que Trump levasse os 16 delegados a que a Geórgia tem direito no colégio eleitoral, o atual presidente chegaria a no máximo 248 _ 42 a menos do que Biden, que teria os seus delegados reduzidos de 306 para 290.
A questão que deve preocupar o presidente eleito é o segundo turno para definir as duas cadeiras da Geórgia no Senado. Em mais uma das tantas idiossincrasias da eleição americana, onde cada Estado define as regras. Na Geórgia, haverá segundo turno porque nenhum dos candidatos conseguiu mais de 50% em 3 de novembro. A batalha da Geórgia pode definir as condições de governabilidade dos democratas na Casa Branca. Os republicanos David Perdue e Kelly Loeffler defendem seus mandatos contra os democratas Jon Ossoff e Raphael Warnock.
A contar apenas o resultado das urnas no dia 3, os republicanos manteriam maioria: 50 a 46 democratas e dois independentes. Se Ossoff e Warnock conquistarem as duas vagas da Geórgia no dia 5, chegariam a 48 (mais os dois independentes, que sempre votam com os democratas). A Casa ficaria 50 a 50. Nas discussões de projetos, o voto de minerva cabe à presidência do Senado, que nos EUA é exercida pela vice-presidência do país, no caso Kamala Harris. Logo, informalmente, os democratas teriam a maioria da Casa.
Essa projeção faz sentido porque, com maioria na Câmara dos Deputados, a House of Representatives, mantida pelos democratas em 2020, e no Senado, Biden teria mais tranquilidade para governar. Que o diga Trump, que precisou de muito jogo de cintura para aprovar projetos na Câmara, governou em grande parte por ordens executivas (equivalente aos decretos) e teve aberto um processo de impeachment aberto contra ele no último ano de mandato _ só barrado pela maioria no Senado. A mais nova juíza da Suprema Corte, Amy Coney Barrett, indicada por Trump, foi confirmada às vésperas da eleição por um placar apertado, mas graças à maioria republicana na Casa, por 52 a 48.
Obama governou com uma Câmara e um Senado a favor, entre 2008 e 2010, quando os republicanos recuperaram a maioria na House. Biden só conseguirá aprovar propostas como ampliação do seguro-saúde com preços mais acessíveis e medidas de transição de uma economia baseada em combustíveis fósseis para outra fundada em energias sustentáveis, como prometeu, com maioria nas duas casas.
Mesmo com a derrota de Trump, os republicanos ainda têm muita força. Daí porque Trump pode estar tentando adiar ao máximo o reconhecimento de sua derrota, para manter a base energizada na Geórgia. A maioria no Senado não o manterá na Casa Branca, mas atrapalhará bastante os planos de Biden.