Por enquanto, é apenas ameaça. A campanha de Donald Trump, até o início desta tarde de quinta-feira (5), não ingressou na Suprema Corte dos Estados Unidos com nenhuma ação para mudar o curso da apuração da eleição. Uma coisa é pedir, dentro das regras do sistema eleitoral de cada Estado, a recontagem de votos, como estrategistas de Trump fizeram em Wisconsin, outra seria levar a disputa política até a máxima instância judicial americana.
Embora por ora apenas no campo da retórica, a ameaça não será uma surpresa, caso se concretize. Trump vem há vários meses afirmando que levaria a disputa para a Suprema Corte, dentro de sua narrativa de que o processo eleitoral seria fraudulento. No entanto, o caminho no tribunal costuma ser desgastante, aprofundará as fraturas da sociedade, causará instabilidade nos mercados internacionais e deixará os americanos e o mundo, por semanas, senão meses, com a respiração em suspenso.
Mais: passará a imagem de instrumentalização da Suprema Corte por Trump, algo que, ao indicar a juíza Amy Coney Barrett semanas antes da eleição para a vaga de Ruth Bader Ginsburg, o presidente, no fundo, já tinha em mente.
Nos Estados Unidos, a legislação eleitoral varia em cada Estado. Não há, ao contrário do Brasil, um Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Logo, antes de qualquer recurso à Suprema Corte, demandas de campanhas precisam passar por tribunais locais. Mesmo o tribunal máximo só age se entender que as autoridades de cada Estado violaram alguma lei federal - o que, por enquanto, não há indícios.
Ao ameaçar abrir esse front, Trump também pode estar imaginando, de forma equivocada, que o corpo de magistrados da Corte é um bloco monolítico. Embora cada um tenha suas convicções e haja uma tendência conservadora da maioria, julgam, em geral, baseados em critérios técnicos - e alguns de seus integrantes, como o presidente John Roberts, veem com maus olhos tentativas de contaminar a independência do tribunal com temas eleitorais. Estariam todos dispostos a manchar suas biografias envolvendo-se em uma disputa política, diante de argumentos frágeis e quimeras, que poderiam ser resolvidas pelas cortes locais?
Portanto, levar o pleito para a Suprema Corte não significa que ela dará a vitória a Trump.
Na eleição de 2000, por exemplo, o tribunal saiu com sua imagem arranhada ao julgar o caso Bush x Al Gore, que hoje é estudado nos cursos de Direito das melhores universidades americanas como case polêmico pelas fraturas que deixou no sistema político em geral, e no Judiciário em particular, lançando uma nuvem de dúvidas sobre sua independência que, desde então, nunca se dissipou sobre a 1 First Street NE em Washington.
A essa altura, além de brigar pela reeleição e exigir a contagem de todos os votos - e não o contrário como está fazendo -, Trump deveria se preocupar com o legado, algo de que todo chefe de Estado tem como uma de suas prioridades, que irá deixar, caso saia da Casa Branca. A imagem de um presidente apegado ao poder até o último minuto não é abonador nem para ele nem para a democracia americana.