Quatro dos países menos corruptos do mundo irão compartilhar com o Brasil suas políticas públicas, experiências e dificuldades que enfrentaram para chegar ao topo do ranking da Transparência Internacional, organização responsável por monitorar o problema em 180 nações.
A entidade fechou parceria estratégica com Dinamarca (primeiro no ranking), Finlândia e Suécia (ambos em terceiro) e Noruega (em sétimo) para ações destinadas a promover integridade, transparência e fiscalização no Brasil. O acordo, assinado em 24 de abril, busca unir esforços da cooperação internacional com a sociedade civil, empresas e governos no enfrentamento da corrupção.
O documento foi assinado em Brasília, na presença do ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro, do titular da Controladoria-Geral da União (CGU), Wagner do Rosário, e do advogado-geral da União, André Mendonça.
No ranking de 2018, o Brasil apresentou a pior nota desde 2012, caindo da 96ª para a 105ª posição. Para a Transparência Internacional, apesar dos esforços da Lava-Jato, o país não havia dado respostas para combater causas estruturais da corrupção.
Em entrevista à coluna, o diretor executivo da Transparência Internacional – Brasil, Bruno Brandão, e o embaixador da Dinamarca Nicolai Prytz explicam que a ideia não é “ensinar” medidas de combate à corrupção, uma vez que as realidades são bem diferentes entre as nações escandinavas e o país. A intenção é inspirar. Uma das primeiras ações será no campo da tecnologia como ferramenta de transparência.
A seguir, os principais trechos da conversa por telefone.
Como nasceu a iniciativa?
Bruno – Foi um trabalho de articulação da Transparência Internacional desde o ano passado. Posso dizer com segurança: não existe outro país no mundo (além do Brasil) no qual a pauta anticorrupção tenha entrado com tanta força e atingido tantos êxitos na história recente. Achamos que era importante que a cooperação internacional fizesse parte desses esforços. Olhamos prioritariamente para os países nórdicos porque eles têm historicamente os níveis mais baixos de corrupção e percepção da corrupção no mundo. A Dinamarca é a nação que tem essa força simbólica por ser o país menos corrupto do mundo.
Os países que têm baixíssimos níveis de corrupção são, ao mesmo tempo,os mais prósperos. E, mais importante do que isso, são mais justos, com as menores desigualdades. Alcançaram esse estado por meio de caminhos democráticos, como liberdade de imprensa, do associativismo da sociedade civil e com modelos de governança eficientes. Nem tudo pode ser adaptado, mas muito pode ser transmitido de lições e linhas de cooperação técnica que queremos trazer para reforçar esse esforço do Brasil no combate à corrupção.
Não são realidades diferentes?
Nicolai – São bem diferentes. Na Dinamarca, somos 5,7 milhões de pessoas. No Brasil, 209,3 milhões. Não temos nenhuma expectativa de vir aqui impor soluções, estamos mais do que tudo para inspirar. A gente acha que algumas coisas deram certo na Dinamarca, nos países nórdicos, podem servir como exemplo, mas a realidade brasileira é outra. Vocês têm de buscar suas próprias soluções. Que os nórdicos possam servir como exemplo. Quero destacar os avanços já conseguidos no Brasil na luta contra a corrupção. Existe uma vontade de acabar com esse problema. Já vimos avanços muito importantes, por isso a gente fica entusiasmado em dar apoio a esse processo. No caso da Dinamarca, a gente já vem com algumas atividades na área de governo digital. Levamos 15 anos nesse processo, digitalizando nosso governo. A gente ganhou muito em eficiência, melhoramos nossos serviços, cortamos muitos custos, e, acima de tudo, adicionamos transparência ao processo. A gente reduziu o espaço para a corrupção. Por isso, estamos focando muito no governo digital em nossa colaboração com o Brasil.
A Transparência Internacional costuma ser bastante crítica com os governos, cobrando iniciativas de combate à corrupção e divulgando dados. Essa iniciativa que está em andamento não pode ser entendida como influência externa no Brasil?
Bruno – Sempre pode, qualquer tipo de apoio gera interpretação. A gente tem de conviver com isso e saber criar mecanismos para deixá-lo o mais transparente possível. Deixamos claros os limites da cooperação. Se pegar o setor privado, também há esses questionamentos: “Vocês também não cobram empresas? Vocês também não tem que fazer um trabalho de watchdog? Então, como trabalham com o setor privado?”. Com doadores individuais essas questões também surgem. Se for um grande doador, ele estaria querendo influenciar, construir imagem de integridade por meio da associação com a Transparência Internacional. É uma característica estrutural de como a sociedade civil deve encontrar seus meios de sustentabilidade, de financiar o seu trabalho porque nós não geramos lucro. Não temos geração de receita comercial. Agora, a Transparência Internacional tem experiência em lidar com a cooperação internacional, inclusive se financiar através dela. E há total transparência sobre isso. Você pode ver episódios em que criticamos os governos de países com os quais temos cooperação em projetos específicos. E não vai ser diferente. Inclusive repito que esses países (os nórdicos) também têm seus problemas. Há empresas escandinavas também na Lava-Jato. Esses países não estão isentos de problemas, principalmente quando operam fora de seu território.
Para o governo da Dinamarca, o risco de essa ação em conjunto ser vista como ingerência externa em assunto interno brasileiro é uma preocupação?
Nicolai – De jeito nenhum. Não posso evitar que alguém tenha essa interpretação sobre nossa atuação no Brasil. Não estamos aqui para dizer o que o Brasil deve fazer, para dar lição de moral. Estamos simplesmente para dividir nossas experiências. Mostrar como a gente fez na Dinamarca. Não é tudo aplicável ao Brasil. Levamos 15 anos nesse processo de governo digital. A quantidade de erros que a gente cometeu no caminho você nem imagina. Acho que seria prudente que o Brasil escutasse, aprendesse com nossas experiências para não cometer os mesmos erros. Assim se pode avançar mais rapidamente. Mas críticas existem no mundo todo. A gente também aprende com outros países. Só que na área de transparência anticorrupção temos certas vantagens agora, e o Brasil se encontra em um processo. Faz sentido a gente colaborar com a Transparência Internacional.
Bruno – A questão da digitalização é um exemplo concreto de uma área em que vamos priorizar na cooperação. Um dos países que melhoraram mais rapidamente no índice de percepção da corrupção foi a Geórgia, na Ásia Central, que teve um programa forte de investimento na digitalização dos procedimentos burocráticos do governo local. Através disso, reduziu muito a possibilidade de corrupção em diversos procedimentos estatais.