A transparência dos atos públicos e o controle de atividades financeiras são conquistas recentes dos brasileiros, garantidas por diferentes mecanismos legais. Qualquer tentativa de retrocesso deve acender uma luz amarela e enseja uma pergunta: a quem interessa ocultar informações? Duas medidas dos últimos dias – uma consumada por decreto e outra em fase de consulta pública – colocam em risco duas dessas conquistas.
A medida já em vigor, conforme decreto do vice-presidente Hamilton Mourão, atinge um dos pilares da Lei de Acesso à Informação. Trata-se da permissão para que assessores que ocupam cargos de Direção e Assessoramento Superior (DAS), nível 6, possam classificar documentos públicos como ultrassecretos (aqueles que só podem se tornar públicos depois de 25 anos). São 206 com esse status. Para os secretos, inacessíveis por 15 anos, a autorização inclui os assessores DAS-5 (1.092 nos quadros do governo).
Ampliar o número de pessoas com tal poder significa abrir caminho para que assessores mais realistas que o rei restrinjam o acesso a documentos que não teriam por que permanecer secretos por 15 ou 25 anos.
Até então, a prerrogativa de classificar documentos como secretos ou ultrassecretos era exclusiva do presidente, do vice-presidente, dos ministros de Estado, dos comandantes das Forças Armadas e dos chefes de missões diplomáticas permanentes no Exterior, que podiam delegar a tarefa a pessoas de sua confiança.
Mourão justificou o decreto, rascunhado no governo anterior, como um ato para diminuir a burocracia e disse que são raríssimos os documentos classificados como ultrassecretos.
Ainda que a minuta da circular tenha sido herdada do governo de Michel Temer, como disse o ministro da Justiça, Sergio Moro, qualquer restrição ao monitoramento das atividades financeiras de parentes de autoridades soa estranha no momento em que são investigadas movimentações atípicas de um dos filhos do presidente da República, levantadas pelo Coaf. O dito popular ensina que não se fala de corda em casa de enforcado.
A proposta é acabar com a exigência de os bancos informarem ao Coaf qualquer transação em dinheiro vivo acima de R$ 10 mil. O valor passaria para R$ 50 mil. Outra sugestão, a pretexto de reduzir o excesso de notificações, é acabar com a exigência de monitorar transações de pais, filhos, companheiros e enteados de pessoas consideradas politicamente expostas, entre elas os políticos. Caberia aos bancos criar normas para identificar casos suspeitos, independentemente do valor envolvido.
Autoridades que trabalham no combate à lavagem de dinheiro temem que a alteração prejudique o trabalho dos investigadores.