Santiago Abascal é a cara da nova extrema-direita na Espanha. Nas eleições de domingo (28), sua legenda Vox, que significa voz em latim, conquistou 24 cadeiras no parlamento. Do ponto de vista simbólico, alcançou bem mais: pela primeira vez, a ultradireita chega ao parlamento espanhol desde o fim da ditadura de Francisco Franco, em 1975. Não é pouca coisa em um país que até hoje debate — com amor e dor — seu passado recente.
O traslado ou não dos restos mortais do "generalíssimo" Franco do Vale dos Caídos, por exemplo, é a ponta mais visível dessa ferida aberta na memória dos espanhóis. Em agosto do ano passado, o governo do primeiro-ministro Pedro Sánchez, cujo partido PSOE venceu a eleição de domingo, aprovou no Conselho de Ministros decreto que modifica a Lei de Memória Histórica e permite a exumação e a transferência dos restos mortais de Franco. Aprovada em 2007 no governo do também socialista José Luis Rodriguez Zapatero, a legislação estabelece medidas em favor dos perseguidos durante a guerra civil e a ditadura franquista. Orienta, por exemplo, a retirada de monumentos, símbolos e nomes de lugares públicos relacionados ao conflito e ao regime de exceção.
A mudança ordena que no Vale dos Caídos só poderão permanecer os restos mortais das pessoas que faleceram durante a guerra civil espanhola e ditadura, como local de lembrança e homenagem às vítimas da guerra. A família de Franco e seus seguidores exigem que os restos do general fiquem ali – onde, aliás, são frequentes peregrinações de viúvos e viúvas do franquismo.
Pode-se esperar um confronto midiático nos próximos dias entre Abascal e Sánchez em torno do tema. Ex-deputado regional do Partido Popular (PP), o grande derrotado do pleito de domingo (teve reduzidos seus assentos de 137 para 66), Abascal deve usar seu capital político de 2,7 milhões de votos para fincar posição contra a retirada do corpo de Franco do local. O argumento é de que a medida não favorece a reconciliação entre os espanhóis.
Polêmico e pouco conhecido fora das fronteiras espanholas até algumas semanas atrás, Abascal é muitas vezes comparado a outras personalidades do cenário conservador europeu, como a deputada francesa Marine Le Pen (da Rassemblement National) e do ministro italiano Matteo Salvini (da Liga). Com agenda antimigração, ele chegou a afirmar que irá "reconquistar" a Espanha, em referência à expulsão no século 15 dos muçulmanos e dos judeus do território do país.
As eleições para o parlamento europeu, entre os dias 23 e 26 de maio, serão o termômetro capaz de medir qual a real força do conservadorismo na Espanha em particular e no continente de forma geral – e um bom indicativo para o que pode ocorrer do lado de cá do Atlântico, do norte ao sul da América.