Um gaúcho de Santo Ângelo acompanhou nesta quarta-feira os momentos dramáticos na Venezuela, quando uma sucessão muito rápida de fatos levou ao enfraquecimento do regime de Nicolás Maduro e ao pronunciamento de Juan Guaidó como presidente interino. Na prática, há um governo paralelo.
De um apartamento a duas quadras da Avenida Francisco de Miranda, um dos epicentros das manifestações, ele testemunhou disparos de gás lacrimogêneo e de bombas de efeito moral pelas tropas do governo contra os militantes.
Na entrevista a seguir, concedida por telefone à coluna, ele pediu para ser identificado apenas pelo primeiro nome, Tiago. A seguir, os principais trechos da conversa.
Como está a situação neste momento?
Cheguei aqui, na Venezuela, no domingo com minha esposa, que é venezuelana. Está tudo parado. Estou no apartamento de meu sogro em Caracas. A situação está crítica. O pessoal saiu a protestar desde a madrugada. Houve mortes. Tinha muita gente: imagina a Avenida Paulista em Caracas. Há gente de todas as classes sociais: ricos, pobres, todos contra Maduro. O apartamento em que estamos fica a duas quadras do local da manifestação. Dava para escutar explosões, gravei o som a partir da janela.
Dá para sentir o cheiro de gás lacrimogêneo aí no apartamento?
Senti aqui do apartamento, a gente teve de fechar as janelas. O pessoal aqui já estava fungando por causa do gás lacrimogêneo. Sempre as forças do governo disparando contra a multidão. Estão todos, agora, na expectativa de que Maduro saia de uma vez por todas.
Você acha que isso pode acontecer nas próximas horas?
A esperança deles (os venezuelanos) é muito grande, ainda mais agora que Donald Trump reconheceu Juan Guaidó. Bolsonaro também o reconheceu. Eles acreditam (que Maduro cairá), é a esperança deles.
E agora, como vocês estão em termos de segurança?
Quando Guaidó fez o juramento, assumindo a responsabilidade como presidente, começou o tumulto. Chegou a Guarda Nacional e disparou gás lacrimogêneo, bombas de efeito moral, dispersando a multidão. Deixa eu olhar para rua aqui. (Ele interrompe a entrevista para ir até a janela). Agora, está tranquilo. Mas não é recomendável sair agora, a Guarda Nacional está nas ruas.
Vocês chegaram a sair para a rua?
A gente saiu pela manhã, já havia concentração desde a madrugada. Logo em seguida, a gente voltou. Depois do pronunciamento do Guaidó, porque o pessoal aqui já estava prevendo confusão: "Vamos voltar porque a movimentação está estranha". Chegamos ao apartamento de volta e começaram bombas e tiros. Pá! E gás lacrimogêneo.
Dava para ouvir as explosões?
Sim, e o pessoal correndo na rua. Há pouco, um pessoal passou correndo, também havia ambulância e o helicóptero da Guarda Nacional. O helicóptero sobrevoa, identifica algum opositor, repassa a informação para alguém no solo, que vai atrás. Eles usam toda a máquina do Estado para conter a população. É tétrico o negócio. Você olha na televisão, e não está passando nada. É tudo do governo, censurado. Passa novela, esporte. E o que passa de notícia, eles tergiversam. Dizem que a população está marchando em apoio a Maduro. O que é um absurdo. O único meio pelo qual eles se informam é pelas redes sociais. Nos canais de TV não passa nada. Nos portais do governo, na televisão não passa nada. Parece a Coreia do Norte.
Como está o desabastecimento nos mercados?
Ontem (terça-feira), tivemos de sair para procurar papel higiênico em três ou quatro lugares. Conseguimos comprar oito rolos importados do México porque, aqui, não fazem. Cada pacote com quatro rolos custa o equivalente a R$ 30. Aqui onde meu sogro mora não falta água porque o prédio tem poço artesiano. Mas em geral falta água, luz. Há racionamento. Faltam mantimentos básicos, guardanapo. Leite não tem nos mercados. Você vai a uma farmácia, e só vendem salgadinho e refrigerante porque não tem remédio. Vão vender o quê? Se ficar doente, ou procura remédio fora do país ou morre.
O que seus familiares venezuelanos dizem? O que acham que vai acontecer nos próximos dias?
Agora que os EUA cortaram relações, Maduro está entrincheirado, está ficando sozinho. Então, a expectativa é de que Maduro caia a qualquer momento.