A Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) é como uma reunião de condomínio — sendo os apartamentos os países e, o conjunto deles, o sistema internacional. Até no comportamento dos líderes, há paralelos com esse tipo de encontro do prédio: há quem fale apenas para chamar a atenção dos demais, existe quem faça cara feia para um determinado vizinho, o morador que só observa à distância e não "se mete" e aqueles poucos que, ao final, realmente decidem o futuro do edifício — no caso da ONU, o próprio planeta.
O encontro deste ano se parece ainda mais com uma reunião desse tipo, aquelas que poucos gostam de participar. Estamos mais egoístas, mais preocupados com nossos umbigos.
Com o mundo cada vez mais unilateral pelas ações do governo americano, do Brexit britânico e do crescimento de regimes nacionalistas e populistas, não há dúvidas de que muitos condôminos prefeririam ficar em seus apartamentos nesta semana do que descer ao salão de festas, o palco da ONU.
1 — A grande reunião de condomínio, a 73ª da história, será tradicionalmente aberta pelo presidente brasileiro às 9h (10h em Brasília) desta terça-feira. Michel Temer é, na visão do planeta, o "pato manco", como os americanos chamam, de forma jocosa, seu próprio presidente em fim de mandato. Seu discurso não deve fugir muito aos temas abordados na assembleia de 2017, quando falou de "transformações modernizadoras" pelas quais o país passava e que haviam ajudado a superar a recessão. Um ano depois, Temer volta a poucas semanas de uma eleição cujo desfecho é pouco claro aos olhos do planeta.
2— Na verdade, o presidente brasileiro acaba abrindo as cortinas para a fila de líderes mundiais cujos pronunciamentos realmente acabam atraindo as atenções. No ano passado, em sua estreia, Donald Trump cunhou o apelido do ditador norte-coreano Kim Jong-un como "Homem foguete" em missão suicida e ameaçou destruir a Coreia do Norte. Um ano depois, ele volta com as imagens abraçando Kim ainda na lembrança. Virá elogios. Posará de arauto da paz no Extremo Oriente.
3— Com o Irã será diferente. Vale observar como o presidente Hassan Rohani se comportará na reunião: Trump saiu do acordo nuclear fechado por Barack Obama, e os aiatolás ainda tentam salvar o que sobrou do tratado rasgado. A postura de Trump com relação aos chineses e russos, os dois malvados favoritos, também podem indicar um rumo, principalmente com o recrudescimento da tensão na Síria, depois da queda de um avião russo abatido e pelos ataques recentes de Israel ao país de Bashar al-Assad.
4 — Ainda na metáfora do condomínio, temos muito a resolver no nosso próprio bloco, o da América. O tema por aqui é migração. Em abril, a Casa Branca havia adotado uma política de tolerância zero que incluía a separação de famílias flagradas tentando entrar ilegalmente nos EUA pela fronteira com o México. Crianças foram afastadas dos pais e enviadas a muitos abrigos espalhados por território americano. Mesmo depois do fim da política, em junho, muitos desses menores continuam longe dos pais.
5 — Nesse assunto, temos telhado de vidro com a crise Venezuela. Os EUA esperam que o Brasil lidere na América Latina a mediação para o fim da crise político-econômica-institucional no país de Nicolás Maduro. Mas, com a crise transbordando as fronteiras, as cenas de ataques e perseguições de grupos de brasileiros aos estrangeiros em Roraima correram o mundo. Não pegou bem para a imagem de país acolhedor que o Brasil costuma vender lá fora. Na ONU, como também nas reuniões de condomínio, tem moradores que aparentam o que não são.