O cardeal Bernard Law, que morreu nesta quarta-feira aos 86 anos, não respondeu à Justiça dos homens por ter acobertado crimes de pelo menos 90 padres abusadores de crianças, enquanto era o todo-poderoso arcebispo de Boston, nos Estados Unidos. Também foi poupado pelo Vaticano de passar seus últimos dias esquecido em alguma capela ou masmorra de Roma. Sua aposentadoria, depois de renunciar ao cargo nos EUA graças às denúncias do jornal The Boston Globe (história que virou o filme Spotlight – Segredos Revelados) foi em berço de ouro, na basílica de Santa Maria Maggiore, uma das mais importantes da capital italiana. Law não perdeu sequer o cargo de cardeal e inclusive, como pertencia ao colégio que elege os pontífices, participou do conclave de Bento XVI, em 2005.
O grupo de jornalistas investigativos do Globe usou registros da Igreja para mostrar que padres acusados de abusos contra crianças eram transferidos de paróquia. Nem as famílias nem as autoridades eram avisadas dos crimes. Inicialmente, Law negou participação nos casos, pediu desculpas e anunciou reformas para evitar que os crimes voltassem a acontecer, mas novos registros mostraram que ele sabia das transferências e dos abusos e não tomou providências para ajudar as vítimas. Só depois de novas reportagens, com a situação insustentável, ele apresentou ao papa João Paulo II sua renúncia da arquidiocese. O Pontífice ainda resistiu a sua saída. Como fazia com seus subordinados de batida, Law também foi deslocado. Só que para o Vaticano.
A manutenção de Law na Santa Sé, inclusive em um cargo importante como a Congregação dos Bispos, é um tapa na cara das vítimas de seus comandados. Ainda que o papa Francisco tenha feito mais contra os crimes de pedofilia no ventre da instituição do que qualquer outro de seus antecessores, a impunidade do cardeal é uma amostra de que a mão terrena da Igreja Católica ainda acoberta os crimes de seus pastores.
Ao menos, graças ao Globe, seu nome figurou no panteão da infâmia do século 20 e as denúncias abriram possibilidade para que outros casos fossem investigados, como nas igrejas da Irlanda e da Austrália. No primeiro, as indenizações às vítimas até agora, segundo a agência de notícias Reuters, já chegam a US$ 2 bilhões. No segundo caso, cardeal que teria acobertado crimes semelhantes, George Pell, deve ir a julgamento. Quantos outros Pell ou Bernard Law existem por aí nas sacristias das grandes catedrais?
Não há diferentes graus de bandidos. Mas um tipo muito cruel é aquele que se utiliza da proteção de uma instituição ou esconde-se na imagem ilibada de um cargo, construída socialmente, para cometer seus crimes. É o caso de policiais corruptos que se aliam ao tráfico, médicos assassinos e, claro, padres pedófilos. Na cadeia de comando, quem acoberta esses criminosos é tão culpado quanto.