O golpe militar (ainda que se negue até o momento) para tirar Robert Mugabe do poder obedece à cartilha das quarteladas à moda antiga: com tanques nas ruas da capital, Harare, o presidente e sua família presos e oficiais ocupando a emissora de TV estatal para divulgar um comunicado, ao vivo, às 4h locais, para informar à população quem manda a partir de agora. Embora velha no modus operandi, a operação que, ao que tudo indica, põe fim aos 37 anos de poder de um dos últimos ditadores do planeta, tem requintes de contemporaneidade: foi pelo Twitter que o partido União Nacional Africana do Zimbábue (Zanu-PF, até então de Mugabe) anunciou a traição. “Hoje, começa uma nova era e o camarada Mnangagwa nos ajudará a alcançar um Zimbábue melhor”.
A referência a Mnangagwa na rede social dá uma dica da trama que pode estar por trás do golpe. Ele era vice-presidente de Mugabe até a semana passada, quando foi afastado justamente porque o ditador percebia sinais de traição. Nos últimos meses, documentos vazados indicavam que Mnangagwa arquitetava, com o principal líder da oposição do país, o sindicalista Morgan Tsvangirai, 65 anos, um plano que consistiria em mudança de regime, em outras palavras, deposição de Mugabe, e uma aliança de cinco anos para a transição. Tudo com o apoio do comando das forças armadas. Aos 93 anos, Mugabe não pensava em renunciar - inclusive pretendia disputar a eleição do ano que vem contra Tsvangirai para novo mandato -, mas sua morte política já estava traçada pelo próprio partido que sustenta o regime.
Um dos últimos crápulas que ocuparam o poder na África na segunda metade do século 20, Mugabe seguiu o currículo de heróis marxistas, guerrilheiros e libertadores que, uma vez no comando, revelam-se sanguinários ditadores. Contemporâneo de Nelson Mandela na luta contra a opressão branca, “o leão da África”, como é conhecido, passou de herói a vilão mais longevo de um continente conhecido por seus líderes autoritários pós-independência das potências europeias. Confrontado com a crise econômica e a oposição, mostrou sua face ditatorial: prendeu opositores, censurou a imprensa e reinou absoluto com vida de marajá, em um palácio gigantesco, passeando de limusine, enquanto sua população passava fome e enfrentava uma das maiores inflações do planeta.
Mugabe começou a cavar a própria cova nos anos 2000, quando expropriou terras de agricultores brancos e nacionalizou propriedades. O plano de seus inimigos inclusive prevê, nos próximos meses, reintegração de posse e compensação a quem perdeu as terras. Tudo o que estamos vendo no país africano desde o meio da madrugada teria as bênçãos do Reino Unido, país europeu do qual o Zimbábue alcançou a independência em 1980.