Acordos entre jornalistas e forças de governo ou de oposição em zonas de combate são mais comuns do que costuma relatar a frequentemente glamourizada história dos correspondentes de guerra. Para permanecer em Bagdá, em 1991, quando todos foram embora, a rede CNN cumpriu normas estabelecidas pelo regime de Saddam Hussein. O mesmo ocorreu em 2003, quando jornais e emissoras de TV embarcaram na aventura de George W. Bush no Iraque. Tiveram visão privilegiada – e parcial – da marcha de blindados até a capital graças a limitações do Pentágono, como não revelar a posição das tropas.
Essas histórias, por vezes infames, já viraram filmes e livros (entre eles, o incensado A Primeira Vítima, de Phillip Knightley). E ganham um novo capítulo com um corajoso relatório recém-divulgado pela Associated Press. Em 161 páginas, a agência de notícias americana analisa sua própria cobertura da ascensão de Adolf Hitler a II Guerra. Enquanto a maioria dos veículos deixava Berlim antes de 1935, a sucursal da AP permaneceu até 1941. Não sem pagar um preço: pactos de silêncio sobre abusos do Ministério da Propaganda nazista ou escondendo funcionários como o fotógrafo Franz Roth, que trabalhava também para as SS.A autópsia de suas cobertura começou com a historiadora alemã Harriet Scharnberg, que, em 2016, publicou o artigo “A e o P de Propaganda – A Associated Press e o Fotojornalismo Nazista”, no qual conclui que a agência foi cúmplice ao esconder atrocidades. Em geral, o jornalista no front é visto com ambiguidade por exércitos oficiais, tropas rebeldes ou grupos guerrilheiros: como veículos de propaganda de seus feitos ou delator de suas violações.
Entrar, ficar ou partir de uma área conflagrada implica a mistura de ingredientes que vão além da coragem. Persistência, fontes, meticulosa avaliação de risco e, por fim, sorte são outros. O que normalmente não é relatado são pactos informais para acessos: o que pode e o que não pode ser mostrado, sob o risco de ser morto, torturado, expulso ou entregue para o outro lado. O limite da negociação é a ética, o direito do público à informação e o dever de transgredir pactos diante de violações. Patriarca dos poucos correspondentes brasileiros, José Hamilton Ribeiro cunhou a frase: “Guerra é ruim, mas sem jornalista é pior”. O dilema parece estar entre ficar e informar parte. Ou partir e furtar o leitor de toda a história.