Estádios da Copa do Mundo que viraram elefantes brancos. Economias em dificuldade. Líderes políticos carismáticos suspeitos de corrupção, mais precisamente com relações obscuras com grandes empresas familiares. As semelhanças entre Brasil e África do Sul são muitas. Enquanto por aqui a Operação Lava-Jato investiga os laços do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com a Odebrecht e a OAS, do outro lado do Atlântico, um relatório de 335 páginas elaborado pela procuradoria-geral põe em xeque o atual chefe de Estado Jacob Zuma, símbolo de uma era pós-apartheid. Em comum: contratos suspeitos, aproximações com as maiores companhias de infraestrutura do país, favorecimento de familiares e uma mansão em Dubai, versão sul-africana do caso do triplex.
PERSONAGENS CENTRAIS
Tanto lá quanto aqui, no centro das investigações estão dois líderes carismáticos, que chegaram ao poder via movimentos sociais. Zuma é investigado por permitir a uma família, os Gupta, influência indevida no governo, incluindo escolha de ministros. Empresários tinham acesso a contratos milionários em mineração e armamento. Como o Lula no Brasil, Zuma culpa a imprensa pela divulgação das denúncias como forma de desacreditar os escândalos. O sul-africano tentou impedir, na Justiça, a divulgação do relatório com as acusações. Não conseguiu. A exemplo de Lula e do PT, há um sentimento de desapontamento com presidente e com o partido CNA, símbolos de nova era. Aqui, pós-ditadura, lá, depois de 46 anos de apartheid. Nos anos 1960, Zuma foi preso por “conspirar para derrubar o governo”. Condenado a 10 anos de detenção, ficou recluso em Robben Island com o histórico líder e parceiro Nelson Mandela.
RELAÇÕES OBSCURAS
Lula e Zuma são suspeitos de envolvimento com as maiores empresas do país, com grande influência sobre os governos. Na África do Sul, os Gupta, de origem indiana, construíram um império empresarial no setor de mineração, transportes, tecnologia e comunicações, nos anos 1990. A família fez fortuna com concessões públicas. É acusada de ter manipulado licitações para obter contratos do Estado e de oferecer cargos de ministros em nome do próprio presidente. O vice-ministro das Finanças, Mcebisi Jonas, diz que um Gupta lhe propôs o posto de titular da pasta. Quando Jonas rejeitou a oferta, recebeu a proposta de 4 milhões de euros. Zuma é acusado de facilitar o plano dos empresários de construir novos reatores nucleares.
VAZAMENTO DE INFORMAÇÕES
Na África do Sul, foi divulgada uma série de reportagens sob a hashtag #GuptaLeaks, que evidencia ligações entre Zuma e os Gupta. O consórcio de jornalistas investigativos AmaBhungane tem revelado e-mails nos quais os Gupta aparecem infiltrados na vida política do país. Eles fundaram escritórios de consultoria e empresas que rapidamente entraram na engrenagem do sistema. Em troca, distribuem dinheiro e presentes, como viagens de luxo a Veneza e a Dubai, por exemplo.
FILHOS NO ESQUEMA
Enquanto no Brasil, Fábio Luis Lula da Silva, o Lulinha, filho do ex-presidente, já foi apontado como suspeito de ser “sócio oculto” da JBS, na África do Sul as investigações também chegam às relações familiares de Zuma. Nos e-mails obtidos por jornalistas, o nome de Duduzane Zuma (à direita na foto) aparece com frequência. Conhecido por Dudu, é peça-chave nas ligações entre o governo e os Gupta. Em troca de dinheiro, festas, viagens de luxo e apartamentos milionários, usaria as relações com o pai para garantir que a empresa mantivesse contratos milionários com o setor público. “Dudu é praticamente um membro da família Gupta”, diz um jornalista sul-africano. Ele garante ligação direta – e discreta – com o presidente.
(DES) IGUALDADES ECONÔMICAS
Brasil e África do Sul têm em comum desigualdade social, desemprego, crise na saúde e problemas ambientais. São parceiros no Brics, grupo que conta também com Rússia, Índia e China. A economia da África do Sul entrou em recessão técnica no primeiro trimestre de 2017. Pesquisa da agência de estatísticas Stats SA mostra que o PIB sul-africano diminuiu a uma taxa anual de 0,7% entre janeiro e março, após encolher 0,3% no quarto trimestre de 2016. O banco central da África do Sul estima crescimento de 1% em 2017. No Brasil, a previsão é 0,41%.
AQUI, UM TRIPLEX. LÁ, UMA MANSÃO
Se por aqui a polêmica envolve um triplex no Guarujá (ao lado), no caso sul-africano são vários degraus de riqueza acima. O presidente Zuma é acusado de ter recebido de presente dos irmãos Gupta uma mansão em Dubai (abaixo), nos Emirados Árabes Unidos. Lá, é vizinho de outro líder, o presidente do Zimbábue, Robert Mugabe. A mansão de Zuma fica localizada em Lailak Street, nas Emirates Hills, um dos cartões-postais mais caros da região. Conta com 10 quartos, 13 banheiros e garagem para 11 carros. Tudo em mármore e detalhes em ouro. Em nota, a presidência negou que Zuma tenha propriedades fora da África do Sul e diz que a acusação é “uma invenção”. O triplex no Guarujá é avaliado em R$ 1,8 milhão. A residência em Dubai custa o equivalente a R$ 84,7 milhões.