Naquele 17 de novembro de 2015, olhei para o porteiro eletrônico de prédio baixo, número 30, em uma praça do bairro de Molenbeek, em Bruxelas: "Abdeslam" era o que estava escrito com caneta esferográfica preta. Ali morava Salah Abdeslam, um dos terroristas que, quatro dias antes, havia organizado os ataques ao Bataclán e a outros pontos de Paris, matando 180 pessoas.
A curiosidade jornalística me levou a apertar o botão. Ninguém respondeu, é claro. Naquele momento, Abdeslam era o homem mais procurado da Europa - acabou sendo preso quatro meses depois no mesmo bairro onde morou.
Até hoje, quando conto essa história do porteiro eletrônico, amigos me perguntam: "O que tu farias se alguém atendesse o interfone? Outros, já com sorriso irônico nos lábios, questionam: "Perguntarias se algum terrorista morava ali?"
Situações bizarras como essa fazem parte de coberturas jornalísticas, até mesmo em ocasiões dramáticas como uma cidade, ou, naquele caso, um continente, pós-atentados. Mas o fato é que, ter estado ali, frente a frente com aquele nome, na casa onde um dos mentores dos atentados de Paris vivia - e onde provavelmente planejou as ações - me marcou. A cena vem à memória a cada aniversário dos ataques da capital francesa e não foi diferente nesse 22 de março, quando completa-se um ano de outra ação brutal, a de Bruxelas: 34 mortos e mais de 200 feridos no aeroporto de Zaventem e em uma estação de metrô da capital belga.
Também as suspeitas recaíam sobre Molenbeek, o bairro onde morava Abdesalam. Explico a fama: ali nasceram ou moraram alguns dos homens que executaram os piores atentados na Europa neste século, além dos horrores de Paris e Bruxelas, os atentados de Madri, em 2004, e a invasão da Charlie Hebdo, em 2015.
O que aconteceu com o local conhecido por ser ninho de terroristas de dois anos pra cá? A resposta: "mais pressão policial e mais radicalização", segundo uma reportagem do jornal El País. O número de jovens que aderem a discursos extremistas aumenta, alerta, em entrevista ao jornal espanhol, uma autoridade belga responsável por políticas anti-extremistas no bairro.
O que se vê nas ruas coloridas do bairro é o incremento do efetivo policial, que palmilha centros islâmicos de Molenbeek para checar se suas atividades culturais e/ou religiosas são reais - ou fachadas para doutrinação radical. O resultado da peneira policial é impressionante: das 1,6 mil organizações registradas, 102 são suspeitas de atividades criminais, sendo a metade dessas, cerca de 50, com laços terroristas.
De um tempo para cá, aumentou o cerco a quem tenta viajar para a Síria, e o Estado Islâmico dá mostras de esgotamento no Iraque, o que, em tese, desencorajaria jovens a buscar a jihad.
Se por um lado o aumento da repressão policial - desde que com uso de inteligência - ajuda a identificar células terroristas, é importante lembrar que o principal ninho do terrorismo é a exclusão social e o racismo. O desemprego no bairro de Molenbeek chega a 52%. Muitos jovens preferem vender drogas a ir a escola ou a procurar trabalho - e os que procuram, normalmente não encontram em um continente cada vez mais fechado.
A desesperança de moradores de Molenbeek, como Abdeslam, que não se sentem inseridos na sociedade europeia, torna sublime o canto do EI. Não é mais necessário ir à Síria para se radicalizar - operações em vários países, inclusive no Brasil, mostram que os terroristas se especializaram em angariar adeptos e em doutriná-los pela internet. Quantos Abdeslam nascerão ainda em Molenbeek?