Queridas
Quando chegamos às casas de vocês, durante a cobertura da tragédia com o avião da Chapecoense, na terça-feira passada, fomos invandindo suas salas de estar com câmeras, computadores, tripés e uma ansiedade enorme. No caso da senhora, dona Alba, sequer limpamos as botas cheias de barro do local do desastre, enlameando o piso branquinho da sua residência. Logo a senhora que havia sido tão prestativa. Que vergonha!
Havíamos nos encontrado pela primeira vez quatro horas antes, ao lado da faixa de isolamento instalada pelo exército colombiano, impedindo o acesso de jornalistas à rota que havia sido usada para salvamento e resgate de corpos. Quando dissemos que éramos do sul do Brasil, a senhora logo se sensibilizou com o sofrimento do nosso povo diante daquela tragédia. Provocou-nos a voltar a insistir com os policiais para que passássemos pelo isolamento. Deu certo. Em seguida, chamou o marido, Benício, e colocou os netos Valentina, Sofia, Juan Pablo e até um bebê de quatro meses na parte de trás de sua caminhonete e nos levou até o ponto exato onde o avião havia caído.
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Quando vimos as hortênsias que a senhora cultiva, logo nos gabamos:
– Também temos lá no nosso Estado, na Serra!
– Não acredito! Vocês têm da amarela? – quis saber.
No caminho, como o seu veículo é do tamanho do seu coração, cabia mais gente: demos carona até para os soldados da Polícia Nacional que renderiam os colegas para fazer a segurança dos destroços da aeronave.
Depois, nos 40 minutos de sobe e desce caminhando pela serra, em muitos momentos, quando eu não aguentava os efeitos da altitude, a senhora carregou minha mochila com equipamentos. Quando eu quase desabei sem ar, com metade da canela imersa no lodo, a senhora, dona Alba, me ofereceu o braço. Alcançou até uma espécie de cajado improvisado para que eu pudesse me firmar.
Mais do que tudo, observou em silêncio respeitoso nosso trabalho de registrar os destroços do avião, imaginando, quem sabe, o quanto aquilo era difícil pra nós, que, ali, tentávamos manter o profissionalismo em meio aos resquícios de vida, entre ferragens retorcidas, bagagens e objetos pessoais das vítimas.
Na volta daquele inferno, a senhora nos ofereceu a internet de sua casa e uma mesa com arepa (um pastel típico), ovos mexidos, pão e café com leite quentinho. Não esqueceremos.
Dona Tereza, o encontro com a senhora foi no último dia de cobertura, na sexta. Certamente vai se lembrar: foi logo após a passagem do cortejo com os 50 caixões dos brasileiros a caminho da base aérea de Rionegro, onde eles seriam depositados nos aviões de volta para casa. A senhora ainda estava com os olhos cheios de lágrimas à sua porta e nos disse a frase mais linda que ouvimos nesses dias. Explicava o quanto, para os colombianos, era difícil pronunciar a palavra "Chapecoense", quando afirmou:
– Uma palavra muito difícil de pronunciar. Um time muito difícil de esquecer.
Emocionamo-nos.
Decidi contar a história do encontro com vocês a nossos leitores em ZH como agradecimento às senhoras, dona Alba e dona Tereza, que não perderam familiares nessa tragédia, mas que fizeram do nosso desastre o seu.
E também como gratidão a todos os colombianos. Porque uma reportagem é sempre menor do que a vida e do que os laços que estabelecemos enquanto fazemos as entrevistas.
Dona Tereza, prometi que um dia voltaríamos, com nossos familiares, para conhecermos melhor a Colômbia, suas praias e belas paisagens. Uma visita em tempos de menos dor, quem sabe.
Dona Alba, fiquei de lhe enviar uma foto das hortênsias que embelezam a serra gaúcha. Por e-mail, mandei uma imagem, mas, confesso, meus conhecimentos sobre flores ainda são insuficientes para confirmar se temos a amarela. Quanto aos tempos de menos dor, dona Tereza, esses ainda vão demorar a passar...
Em nome dos brasileiros, muito obrigado às senhoras e a todos os colombianos.