É de mexer com os brios dos gaúchos: enquanto, por aqui, o governo do Estado propõe a extinção da TVE e da FM Cultura, a BBC, de Londres, anuncia a maior expansão em 60 anos. Atualmente, o serviço mundial da emissora britânica transmite conteúdo em 29 idiomas, para 246 milhões de pessoas semanalmente – o plano é chegar a 500 milhões em 2020, ano do centenário. Serão 11 novas línguas, algumas que você talvez nem saiba que existam: oromo (falado na Etiópia e no Quênia), amárico (Etiópia e partes do Oriente Médio), gujaráti (Índia e Paquistão), igbo (Nigéria), coreano, marathi (Índia), pidgin, punjabi (Índia e Paquistão), telugo (Índia), tigrínia (Etiópia e Eritreia) e iorubá (Nigéria, Benim, Togo e Serra Leoa).
Estamos acostumados a olhar a BBC como exemplo de TV pública. O que garante esse título é a qualidade de sua programação, mas também o fato de, mesmo sendo uma emissora estatal, manter fechada a porta entre Igreja e Estado – no jargão da imprensa, a sacrossanta separação entre jornalismo independente e interesses comerciais e políticos. Na miríade de emissoras públicas – da EBC de Lula à Telesur de Chávez –, infelizmente, a regra tem sido o veículo tornar-se aparato de propaganda de governos.
A BBC não chegou até aqui sem crises: no auge da pré-guerra no Iraque (2003), acusou o governo Tony Blair de ter apimentado um dossiê sobre armas de destruição em massa – no caso específico, estava errada. Duas décadas antes, havia sido colocada sob suspeição pelos conservadores por ter beneficiado a Argentina nas Malvinas. Em 2012, enredou-se em acusações de abusos sexuais contra um de seus ícones, Jimmy Savile.
O conceito de serviço público de informação foi colocado em xeque. Mas, em geral, os britânicos se orgulham de sua emissora, que emprega 35 mil pessoas no Reino Unido e nas sucursais pelo planeta – inclusive no Brasil. Seu conteúdo é produzido por alguns dos melhores jornalistas britânicos. Mais de 80% de sua programação é nacional, e a participação do público é levada a sério. Tanto que cada cidadão se dispõe a pagar 175 libras (R$ 744) por ano em uma taxa específica para mantê-la. Não há dúvidas de que uma emissora pública incentiva a pluralidade de vozes, fortalece a cultura e a democracia, mas quantos gaúchos estariam dispostos a pagar algo semelhante para manter a TVE?
O orçamento anual da BBC é de 2,3 bilhões de libras (R$ 9,7 bi), e o governo pouco mete a mão. Quando mete, é para aumentar esse valor. Aqui, no Estado, o gasto em 2015 com a Fundação Piratini foi de R$ 32,5 milhões. O arrecadado em apoio cultural foi de apenas R$ 1,1 milhão.
Londres, Reino Unido. Porto Alegre, Brasil. Realidades diferentes. Comparações pouco possíveis. Talvez só sirvam mesmo para mexer com os brios dos gaúchos.