* Escritor
Há mais de meio século estudo e acompanho a política brasileira. Vivi, inclusive, períodos de participação ativa no final do século passado. Confesso que nunca observei algo que guarde analogia com o que estamos presenciando nestes desregrados anos. Tensões, conflitos, antagonismos são disponibilizados a quem participa da política com a mesma assiduidade com que o pão comparece à mesa do café da manhã. Esse serviço diário é proporcionado pela disputa do poder e encontra sua síntese nos alinhamentos de governo e oposição. Em países que se dizem democráticos, sem a hipocrisia dos hierarcas cubanos e venezuelanos, sempre há um governo e sempre há uma oposição livre. Os cidadãos, naquilo que lhes corresponde, reconhecem essa polarização identificando-se com algum dos lados.
O Brasil destes inusitados dias é curiosa exceção. Há governo, há oposição, mas ampla maioria da sociedade, se pudesse, botava os dois blocos no olho da rua. A polarização se tornou jogo meramente institucional, em cujos desdobramentos, inclusive, são rotineiros os momentos de convergência e recíproca proteção sempre que interesses escusos estão sob ameaça. Nestes casos, as ideologias são mandadas às favas e se estabelece, sólida, a sociedade dos celerados. A nação – militantes à parte porque formam uma categoria social distinta – percebe os fatos e se distancia dos polos políticos. É baile de cobra onde não se entra sem perneira. A rede com que se captura a confiança dos eleitores tem rombos pelos quais até baleias transitam.
Inusitado, também, o desalento nacional perante as estruturas do poder político. Insistentemente tenho escrito sobre a irracionalidade do nosso modelo institucional, sua fertilidade em gerar crises e incompetência para resolvê-las sem gravíssimas sequelas. Em linguagem farmacológica, nossos remédios institucionais são estranhos placebos, com paraefeitos que se agravam quando as sessões dos tribunais superiores são submetidas ao crivo da opinião pública. Definitivamente, eles não se ajudam quando metem os pés políticos pelas mãos jurídicas.
Além da tela do computador com o qual escrevo, além da touch screen do telefone celular, há um mundo nada virtual, bem real, clamando por ordem, justiça e atenção às suas necessidades básicas; há todo um setor produtivo carecendo de estabilidade, credibilidade e capacidade de investimento. Nosso país é um gigante geográfico e populacional onde solavancos políticos afetam a vida de milhões de pessoas. E nós estamos enfrentando terremotos. É desde essa perspectiva, tomado por desalento em relação às urgências nacionais, como as reformas ora em debate e as político-institucionais, que desejo registrar três convicções.
Primeira: não é tudo a mesma coisa. Ainda que a desonra venha a atingir equitativamente os blocos de governo e oposição, em quase tudo mais que importa há, entre eles, desigualdades muito relevantes sobre temas fundamentais. Refiro-me, por exemplo, a papéis do Estado, privatizações, corporativismos, equilíbrio fiscal, economia de mercado, direito de propriedade e violações a esse direito; educação, família, aborto e políticas de gênero; segurança pública, conflitos sociais e drogas. E por aí vai, que a lista é longa.
Segunda: a justiça tardará a chegar. A morosidade do sistema, que muitos de nossos ministros dos tribunais superiores consideram necessária à boa administração da justiça, não permitirá que esse poder de Estado, antes das próximas eleições, remova da cena política as organizações criminosas que envergonham a nação.
Terceira: a principal fase da operação Lava-Jato será tarefa nossa. Ela ocorrerá em outubro do ano que vem, quando, num flash bissexto, o poder transitará pelas mãos do povo. E só retornará a ele em 2022. É a Lava-Jato eleitoral. Um poder imenso e transitório. Que Deus nos ajude a cumprir com responsabilidade o correspondente dever cívico.