Meu amigo dedica a vida a uma causa. Refere-se a Fidel como "El comandante". Encimando a porta de sua casa há uma placa onde se lê "Sierra Maestra". Aclamou a ascensão do chavismo como a "primavera venezuelana". Vendeu o carro para apoiar a construção do memorial de Luiz Carlos Prestes. Está convencido de que os bandidos são vítimas dos males sociais e só falta chamá-los de "meu bem". Internou-se com mal súbito no impeachment de Dilma. Ama Luiz Inácio, odeia Sergio Moro.
Seu círculo ideológico é tão fechado, que qualquer outro sentiria claustrofobia. Ele não. Seu projeto de vida é simples. Basta-lhe seguir o líder. É fiel escudeiro de Lula para o ataque e para a defesa. Naqueles anos em que o chefe, ainda inexperiente, num mesmo discurso afirmava A e o contrário de A, era ele que puxava os aplausos nas duas pontas. Colou cartazes na porta do Teatro Municipal do Rio de Janeiro quando o líder se posicionou contra os pagamentos ao FMI. E foi para a primeira fila no sindicato dos metalúrgicos do ABC quando Lula presidente festejou haver quitado a conta.
O problema é que essa vida moral simples, em que o bem e o mal são definidos pela utilidade à causa, dissipou-se num estrondoso Big Bang às avessas, numa voragem em que o radioso horizonte foi consumido como a imagem de um fotograma de celuloide que queima dentro do projetor. Em pouco tempo, travou o filme e o futuro ardeu na tela. Tudo se complicou. O receituário socialista de Marilena Chauí, Marco Aurélio Garcia, João Pedro Stédile, Leonardo Boff, Paulo Freire, Dilma Rousseff, depositou o Brasil no fundo do poço, removeu a corda e jogou fora a caçamba. Sobrou escândalo, polícia na porta, recessão e desemprego. A experiência abriu novo capítulo no volumoso catálogo dos insucessos da esquerda universal.
Meu amigo sofre. Jogou todas as fichas de sua existência numa aposta perdedora. Pior que isso, funesta. Mas não esmorece porque a causa é maior do que o infortúnio e ele traz gravada na consciência a afirmação de Lênin sobre a renitente teimosia dos fatos. Ora, a teimosia só se dobra ante uma teimosia maior.
A partir dessa observação, passei a entender melhor muito do que tenho lido do jornalismo companheiro. Suas conhecidas posições sobre temas nacionais caíram em descrédito. Tornou-se inviável, também, oferecer ao público doses maiores de receitas que levaram o país à perdição. A cena internacional virou, então, seu novo campo de doutrinação. O que dizem da política mundo afora é o que diriam do Brasil se fossem críveis. Preste atenção e depois me conte.
O estratagema adequado a tais embaraços tem aplicação de largo espectro e vai do futebol à guerra convencional: se não podes vencer, impede que teu adversário avance. Então, pau na direita! E foi o que passou a fazer verdadeira multidão de formadores de opinião. Observe-os, leitor. No vocabulário deles, tudo que está à direita da esquerda passou a ser tratado como radical, fascista, brutamontes. Contudo, a direita não quebra vidraças; não tem black blocs; não faz pichações; não queima pneus nem lixeiras; não invade propriedades públicas ou privadas; respeita a Constituição Federal mesmo discordando; não enfrenta a polícia, valoriza-a. Mas é dita "violenta, radical e fascista". Ora, fascista é como os comunistas sempre chamam os não comunistas. Portanto, ao rotular os adversários de algo que não são, estão a classificar a si mesmos como aquilo que são. A linguagem e a lógica fazem essas coisas.
Ah, tem mais! Na sua percepção sobre a criminalidade, a vítima é a opressora e o bandido é oprimido, agente da revolução. E, por assim pensar, veem a si mesmos como os mais benevolentes e generosos dentre os seres humanos. Mas saiba: é a causa. É tudo pela causa.