Crônica publicada em 10/07/07
Pus-me a observar dois cruzamentos da Rua Voluntários da Pátria, ontem pela manhã.
Num deles, um carro atrasou-se na sinaleira e ficou no centro da travessia, impedido de prosseguir por causa do fluxo caudaloso e ameaçador.
Nenhum dos cerca de 50 veículos que cruzavam por ele teve a bondade de parar para que ele completasse a travessia.
Nenhum.
Todos seguiam implacavelmente, indiferentes à sorte daquele motorista em apuros.
Como todos desviavam dele, o atraso daquele carro ofereceu risco ao trânsito, qualquer um dos que seguiam seu rumo na perpendicular dele poderia chocar-se com ele.
Mas ninguém deu vez para que o pobre homem passasse.
E foi assim até o sinal voltar para o motorista em desvantagem.
Uma indiferença total ao motorista em desvantagem.
Na esquina seguinte, uma mulher idosa também tentava atravessar e não podia.
Ficou no meio da travessia.
Nenhum carro parou para dar-lhe passagem.
Ali estava uma mulher idosa exposta ao trânsito veloz e agressivo, sem qualquer cortesia de sequer um das dezenas de veículos que seguiam à frente, sem diminuir a velocidade, todos sem perder a vez e em desabalada carreira, pondo em risco visível a pobre senhora.
Informam espantosamente as estatísticas que mais de 60% das pessoas atropeladas em Porto Alegre têm idade superior a 60 anos.
Ainda ontem, quando lamentava a falta de sorte do motorista encalhado no cruzamento e da senhora impedida de completar a travessia da rua, ouvia a notícia de que uma mulher tinha sido atropelada pela manhã.
Fiquei aguardando para saber a idade dela: dito e feito, tinha 75 anos.
Então, há um massacre às pessoas idosas no trânsito da Capital.
Evidentemente porque elas não têm agilidade nem mobilidade para atravessar as ruas e avenidas.
E pouco está ligando para isso a quase totalidade, senão totalidade, dos motoristas em ação no cenário do trânsito.
Aí ficamos lamentando a atrocidade dos massacres que sofrem determinadas vítimas, entre elas o menino de 14 anos em Caxias, que foi assassinado a pedradas e pauladas por outros jovens.
Quando nosso comportamento no trânsito é exatamente igual aos dos massacradores.
Ou seja, o problema está no nosso caráter de povo, o traço geral e comum do nosso caráter é de agressividade, de indiferença ao desfavor do próximo.
Não há no trânsito qualquer sintoma de delicadeza, de espírito fraterno e solidário.
Não há cortesia no trânsito.
Nem há compaixão.
Todos só querem seguir à frente a qualquer preço.
Então, assaltantes ou motoristas, somos um povo com o mesmo gene de crueldade.
Uns agridem nos assaltos, outros agridem no trânsito.
É difícil de entender, mas somos todos iguais.
Reclamamos da corrupção dos políticos, mas, em realidade, se tivéssemos a oportunidade de sermos eleitos, também nos corromperíamos.
Aqui no Brasil, 90% das pessoas só são honestas e não cometem crimes por medo de serem apanhadas.
Por inteireza de caráter, só 10% não cometem crimes.
São os que deixam de se corromper, mesmo sabendo que se o fizessem não seriam descobertos.
Tanto nos assaltantes quanto nos políticos, eles são exatamente o que nós, povo, o somos.
Fazemos parte de uma sociedade só, perversa e corrupta.
Basta olharmos para nosso próprio rabo.
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