* Crônica publicada em 09/07/2000
Eu diria que 90% das relações amorosas terminam neste impasse: eu não te amo mais, mas me recuso a separar-me de ti.
Eu não te amo mais como te amava, não se manifesta mais em mim aquele furor corporal que me arremessava até tua figura sedutora, mas permanecem ainda me ligando a ti valores afetivos e tradicionais respeitáveis. Não sinto mais aquela vontade indômita de estar sempre junto de ti, mas gosto de te ver ao fim do dia e saber que existes e estás próxima. Não penso em me desligar de ti porque o risco de que sejas de outro me perturba enquanto for só risco, acho que me amassaria se se tornasse um fato.
Tanto se modificou assim esta nossa relação que já não sinto culpa se te traio, aquela que amei antigamente não mereceria este meu deslize, mas agora ele chega a parecer natural. Quando te amava intensamente, minha felicidade era total. Hoje, sinto apenas estabilizada a nossa união. Eu antes era o intruso em busca da conquista, hoje sou o arraigado dono de um território que não cobiço mais. Fui teu amante, hoje sou só teu companheiro. Valorizava só a ti, não importavam as tuas cercanias. Hoje valorizo só as tuas e as minhas circunstâncias conjugadas.
Antes, eu me ligava em ti por ti, tu te ligavas em mim por mim. Só por nós. Hoje me ligo em ti por nossos filhos, te ligas a mim também por eles, notaste que nós pessoalmente perdemos totalmente para cada um de nós a importância?
E que bravos tempos aqueles em que queríamos nos avistar por toda hora! E que não nos fartávamos de estar juntos! E que não nos entediávamos do tanto que falávamos! E que não nos faltavam os lugares onde ir! Que bravos tempos aqueles em que nos amávamos loucamente e tínhamos pressa em nos acordar pela manhã para nos amarmos! E não tínhamos nenhuma pressa em dormir para podermos continuar nos amando! Bravos tempos!
Confessemos que nossos dias de hoje são repletos de fastio e despedaçados pela rotina. É um maldito cumprimento de carnê. Em verdade perdemos o horizonte. Vivemos na procura afanosa de outros prazeres, como se não tivéssemos mais direito ao amor. Em verdade, nossas vidas restaram áridas. Por ser impossível, deixamos de buscar a felicidade. Contentamo-nos só em sermos menos infelizes.
Mas incrivelmente não queremos separarmo-nos. Nem sei se é falta de coragem, acho que não é. É que foi tão grande o nosso amor e tão fatal que nos uníssemos, que inconscientemente cultivamos o orgulho de sermos únicos e que é inútil nos dividirmos pela separação. Na verdade, nós dois constituímos uma história. E, como a história, só nos resta envelhecer.
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