*Crônica publicada em 12/12/83
TÓQUIO - Ainda tenho na boca o sabor do cal do gramado do estádio Nacional de Tóquio, que beijei desesperadamente agradecido depois que o Grêmio se tornou campeão mundial. Não foi um gesto louco, embora naquele momento eu até duvidasse da minha sanidade diante da alegria de ver o meu Grêmio com o maior título que o Rio Grande do Sul já conquistou em toda a sua história esportiva. O beijo na grama marcada de cal foi um agradecimento a esta terra que permitiu ao Grêmio uma conquista dessa importância. Pois saibam que esse sabor é doce, maravilhoso. Ainda tenho essa marca na boca, ainda estou sujo de cal, mas sujo e alegre como nunca estive na vida.
Sinto-me dono desta terra agora, eu sou o Imperador do Japão, proprietário incontestável da terra do sol nascente que me permitiu esta glória de ser campeão do mundo, sem dúvidas, e ainda com dois golaços de Renato, o melhor jogador gaúcho de todos os tempos, melhor do que o Garrincha, como disse tantas vezes e tantas vezes fui contrariado, criticado, especialmente por um concorrente. Pois esse concorrente chegou ao cúmulo de escrever e dizer que o Renato tinha de ser vendido logo por causa de sua indisciplina. Minha resposta definitiva e que não admite contestações está aí: dois gols no jogo mais importante do Grêmio, uma atuação fantástica, dribles, passes e um espírito de luta inigualável. Falem agora esses secadores. Repitam que o Grêmio é campeão do mundo, que a terra é azul, que a terra é tricolor e que não existe nenhum clube melhor do que o Grêmio, nenhum time melhor do que o Grêmio, nenhum jogador melhor do que Renato.
Soube aqui em Tóquio que o Renato havia dado uma entrevista exclusiva para o repórter João Bosco Vaz, ainda em Gramado, antes da viagem, em que ele dizia que estava deixando o Grêmio. Há uma proposta irrecusável de um empresário que representa clubes italianos. Não se preocupem porque o Renato não vai sair do Grêmio, a não ser que o clube decida entrar numa guerra sem tréguas comigo e com a torcida. Quem tem um jogador como Renato deve fazer o que o Santos fez com o Pelé - nunca vendê-lo, a não ser depois dos 30 anos. A saída do Renato agora seria uma ofensa para todos os gremistas. Logo depois do jogo, inclusive, falei com Fábio Koff sobre o assunto e o fiz prometer que não deixaria ao Alberto Galia, futuro presidente, esta terrível herança. Ainda mais que o próprio Koff andava afirmando que em 1984 estará novamente com o Grêmio em Tóquio, desta vez apenas como torcedor, para ganhar mais um título mundial. Como ele pretende que o time alcance esta façanha sem ter o Renato na ponta direita? Ninguém vai vender Renato, isso eu garanto. Renato, o herói de Tóquio, o autor da maior glória do Grêmio. Isso sim seria uma insanidade. Pode ser até que, com o dinheiro da venda de Renato, o Grêmio garanta saúde financeira por dez anos. Pois tenho certeza de que qualquer torcedor troca esta situação segura por gols, por jogadas geniais, dribles e vitórias. Queremos vibrar com vitórias do Grêmio, até porque ninguém vai sair por aí festejando um balancete - ou alguém imagina que, no final de cada ano, se possa distribuir os balanços do Grêmio para os torcedores para provocar um carnaval em Porto Alegre, cada um com uma folha de papel na mão, agitando-a como se fosse uma bandeira do Grêmio? Carnaval só se faz com títulos, e os títulos são conquistados com gols, como os de Renato no Estádio Nacional de Tóquio.
Heróis
Neste momento de euforia não posso deixar de fazer o registro do heroísmo de todos os jogadores do grêmio. O Renato, é certo, fez os gols, mas surgiram outros que com esforço e dedicação asseguraram a conquista desse título apaixonante. Começo pelo Mazaropi, que o Grêmio não pode deixar de comprar do Vasco por Cr$ 70 milhões. Foi ele que, com duas ou três defesas inacreditáveis, esfriou o ânimo do Hamburgo na tentativa do empate. Foram os zagueiros que garantiam com coragem e garra os ataques dos alemães; foi o meio-campo que soube reter a bola nos momentos certos, fazendo o tempo passar ou, então, colocando-a no lugar e no tempo certo da entrada do companheiro. O ataque perdeu alguns gols que nos poderiam ter acalmado bem mais cedo, muito antes do apito final do francês Michel Vautrot, de atuação impecável, mas também tem seus méritos pela luta permanente dentro do campo.
Obrigado a todos os jogadores, aos dirigentes, ao técnico Espinosa e funcionários do Grêmio. Em especial à diretoria que soube optar pela valorização do título mais importante, deixando o Gauchão de lado, preocupando-se somente com o jogo de Tóquio, porque ele é que colocaria o Grêmio no lugar que o clube merece. A diretoria sustentou sempre com convicção que a ideia de pensar só na partida contra o Hamburgo era melhor para o Grêmio. E suportou críticas terríveis. Eu que sempre concordei me sinto agora gratificado. O Grêmio é grande demais para dar atenção a pequenos eventos esportivos.
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