*Crônica publicada em 14/05/1995
Não estranhe o título no singular. Mãe é uma só, afirma o ditado. E acho muito difícil que alguém valorize mais a figura da mãe que eu, que não a tive. Havia dois anos apenas estava no mundo, quando minha mãe morreu. De lá para cá, todas as minhas tonteiras são devidas à sua ausência. Sempre fui um ser pela metade por não a ter conhecido e não me ter restado qualquer mínima lembrança dela. Como me fizeram e me fazem falta os seus cuidados com as minhas roupas, os meus sapatos, o meu varar das madrugadas, a minha saúde, os meus ímpetos para as encrencas, o meu fumar desesperado!
Às vezes chego a pensar que meu tabagismo é uma compulsão para encontrar-me depressa e definitivamente com ela. Imagino-a doce e terna, despedindo-se de mim todos os dias à porta, angustiada pela minha demora, amassada com os meus atrevimentos, lívida e pasmada com os perigos que me rondam, acalentadora e receptiva diante das minhas mágoas e dores, chorosa e solidária com os meus fracassos.
Quero-a com toda a força do meu coração, sem saber quem ela foi, sem nunca ter sentido o seu afago, sem ter guardado o som das suas palavras. Amo-a pela sua ausência, adoro-a por este vazio que me cercou na vida e me impôs todos os meus defeitos, culpado de todos os meus pecados. Quereria-a junto a mim neste dia, não para visitá-la, que ela moraria obrigatoriamente comigo. Iria inundá-la com meus beijos e lágrimas de agradecimento, encheria-a de presentes, as coisas mais simples e estimativas que agradam as mães. Ficaria ao seu lado durante todo o dia e faria questão de adormecer colado à sua pele, à noite, do leito comum do filho com a mãe. Diria que tudo que consegui era devido a ela. E tudo que não tinha alcançado na vida era por tê-la desobedecido.
Classificaria-a como mandado de Deus para nutrir minha alma, santa protetora dos meus caminhos, farol do meu rumo, refúgio da minha incerteza. Pegaria-a no colo e a elegeria minha eterna namorada, criadora do meu passado, comparsa do meu presente, companheira do meu futuro. Sinto que faltou tudo, por ter-me faltado ela. Desconfio que estão intocáveis todas as reservas do meu amor, por não ter podido prestá-lo a ela.
Que estranho, hoje é o dia dela! Mas como? Se todos os meus dias foram sem ela! No dia dela, que me contaram era boa e religiosa - e por isso deve estar pacífica no lugar dos eleitos -, eu queria me aproximar dela e dizer bem baixinho no seu ouvido, bem manso e bem fundo: "Mãe, eu te amo tanto que nem a tua mais completa ausência jamais molestou a intensidade deste amor. Quanto mais tu me faltas, mais eu te adoro. Espera aí, daqui a pouco nós dois vamos nos acalorar num abraço de eternidade, porque é impossível que a gente não se tope mais adiante, nada teria sentido se não fosse assim. E porque tu existes, embora pareça não teres existido, é evidente que a minha vida tem sentido".
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