Eu não tinha ainda dominância cerebral, o que quer dizer que não distinguia o bem do mal, quando meu pai me levou ao primeiro Gre-Nal. Só quatro anos de idade, estava eu ali nos Eucaliptos (ou em algum estádio muito parecido), no meio de uma pequena multidão, que se voltava toda para um ponto toda vez que o Internacional atacava: Tesourinha.
Ele foi o maior craque da história do Internacional. Meu pai era tenente da Brigada Militar e um dia me levou ao quartel para conhecer um soldado ilustre: Tesourinha. Ele trabalhava meio que folgado, pela sua condição de ídolo, no Serviço de Intendência da Brigada Militar, na Rua Cel. André Belo.
Lembro-me que meu pai guardava uma certa distância de Tesourinha, mas não era advinda da hierarquia: acontece que meu pai era daqueles gremistas que escutavam os jogos pelo rádio e quebrava os móveis da casa aos pontapés quando o Grêmio perdia, descarregando toda a sua raiva contra os erros de arbitragem.
Eu apertei a mão de Tesourinha meio tremente de emoção, mas tendo bem presente que a ordem de meu pai era para eu ser gremista. Ordem de militar a gente obedece sem discutir, eis-me aqui gremista até os tempos de hoje.
Domingos houve em minha vida, inúmeros domingos, longos domingos, em que meu nervosismo me levava as unhas todas roídas desde as madrugadas de vigília dos sábados, inteiramente consumidas pela expectativa do que iria acontecer no Gre-Nal.
A semana inteira era tomada por uma tensão cardíaca, uma pressão arterial fremente, uma dor muscular, uma introspecção, eu era um ser jovem envelhecido pelo medo de perder o Gre-Nal de domingo. Mesmo quando o Grêmio tinha Airton, o maior jogador de defesa que já vi atuar em toda a minha vida e que sozinho se constituía como garantia valiosa de vitória no maior clássico.
Os tempos passaram e as minhas emoções se volatizaram, dispersaram-se em múltiplas sensações, em variados entusiasmos e apreensões, hoje não me ponho mais tão nervoso como quando era rapaz, antes de um Gre-Nal.
Mas nesta semana, de repente voltou-me um daqueles sobressaltos na adrenalina, ansioso por uma vitória do Grêmio no Gre-Nal de hoje. Talvez seja por este cartaz ofuscante do Internacional neste Brasileirão, esta pinta de campeão que o rival ostenta. Para o Grêmio, para nós gremistas, ganhar do Internacional hoje à tarde tem um sabor especial: mostrar ao grande inimigo que, se ele é capaz de dobrar os maiores times do Brasil neste campeonato, há, no entanto, que prestar reverência ao tradicional adversário de sua cidade, o sempre glorioso Grêmio dos Gre-Nais saudosos de Juarez, Alcindo, André Catimba e Jardel.
E o meu cutuco é que hoje o Gre-Nal será deste desconhecido Guilherme, porque desde Luís Carvalho, passando por Geada até os heróis mais modernos da centroavância gremista, as vitórias gremistas em Gre-Nais tiveram os nossos números 9 como personagens centrais.
O diabo é que num índice incontável de Gre-Nais aquele time que detinha o favoritismo era o que afinal conquistava a vitória. E não há como negar que o time formado, embalado, acertado, mecanizado, azeitado, sincronizado, entre os dois que estarão em campo logo mais, é o do Internacional.
Mas, em outros infindavelmente numerosos Gre-Nais, aquele time menos credenciado, o desafiante, haveria de ao fim dos clássicos subir ao pódio do triunfo numa façanha épica, esta condição hoje estará reservada para o Grêmio.
O Gre-Nal é a festa maior do Rio Grande do Sul. É o nosso maior rodeio, o pico da nossa emoção cívica, um jogo que incendeia os fanáticos mas não deixa de tocar a alma até dos que não gostam de futebol.
Para o Estado para conhecer o resultado daquela minha expectativa de adolescente e esta minha esperança sólida de homem maduro: quem ganhará o Gre-Nal? Este jogo acompanha os gaúchos na sua senda pela existência, como se fosse um componente químico da sua epiderme. Não há como desconhecê-lo. Ele é a nossa fonte inesgotável de alegrias e tristezas.
E que há de diferente na vida dos humanos que não sejam a alegria e a tristeza? Esta imutabilidade rege a mágica do Gre-Nal.
Crônica publicada em 24/08/1997