É importante colher o momento que passa. Viver intensamente o momento que passa. Juntá-lo à coleção de todos os outros grandes momentos da vida. E recordá-los sempre, porque pode ser piegas e óbvio, mas recordar é viver.
A felicidade consiste muito nessa coletânea de grandes momentos, de instantes de rara alegria, de passagens de imorredouro encantamento. Eu, por exemplo, tenho tido provas irretorquíveis de que os meus mais destacados momentos de felicidade são aqueles em que, por uma harmonia que se instala repentinamente no ar, ao redor de uma pessoa ou de várias, alcanço com elas o deslumbramento da troca de ideias, da sacada repentina de raciocínio dedutivo, o saborear coletivo ou individual de uma frase talhada e definitiva que se ouviu ou se pronunciou naquele momento ímpar daquele belo encontro.
É preciso guardar na recordação – e depois chamar à lembrança várias vezes – estes momentos de febril camaradagem, o espocar das gargalhadas gerais da turma, o fervor ao escutar o violão unido ao cavaquinho, todos cantando numa só voz aquela música que chega de repente, não mais que de repente, na roda ligada na síntese da melodia e dos versos inesquecíveis da canção célebre que se eternizou nos nossos corações.
É preciso também provocar esses momentos felizes, cavoucar nas circunstâncias da gente a possibilidade de criá-los e programá-los e reinventá-los, é fundamental estar sempre bem cercado das pessoas que desejamos. É imprescindível correr ao encontro dos amigos e, principalmente, recebê-los de braços abertos quando eles correm ao nosso encontro.
É necessário botar o bloco na rua, não ficar à espreita. E o bom é que não se tenha nunca o pé atrás. Melhor decepcionar-se com alguém de supetão do que ficar adivinhando que tal pessoa vai nos decepcionar.
E quando vier a decepção, consolar-se de que isso é um tropeço normal na vida, urge levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima.
É preciso valorizar o sábado e o domingo também, mas nunca reverberar a segunda-feira. É preciso sempre ter a esperança de que a segunda-feira que está chegando, naturalmente mal encarada, pode se tornar mais encantadora do que foi ontem o domingo. E é preciso ter a consciência de que para chegar ao fim de semana temos de começar pela segunda-feira.
A segunda-feira é ponte para o domingo, não há domingo sem sábado, mas essencialmente não há semana sem segunda-feira. Vamos tentar delícias já na segunda-feira, que assim chegaremos ao domingo empanturrados de felicidade.
É imperioso estar inquieto, esperançoso, aberto ao que der e vier, e o que vier de ruim será imediatamente esquecido, o que vier de bom será curtido com solenidade.
Estar vivo já é um privilégio. Só estar vivo é que permite a chance de ser feliz. Eu sempre achei que o melhor da vida não é ser feliz. O melhor da vida é ir criando condições para se tornar apto a ser feliz.
A felicidade tem de encontrar-nos preparados para ela: meu lema é que eu estou aí, não estou feliz, mas a qualquer momento posso encontrar a chance de ser feliz. Então me agarrarei a ela como uma sanguessuga e nunca mais a deixarei. E quando terminar aquele surto de felicidade, certamente efêmero, mas também certamente eterno por ficar marcado dentro de mim indelevelmente, então recomeço outra mobilização para voltar a ser feliz.
Não se pode desistir. Não se pode parar. É importante não parar. Mexa-se. Vire-se. Tente. Sobretudo tente. Mesmo que não seja feliz, tente ser feliz. Que só tentar ser feliz (sonhar) já é sob certo aspecto tornar-se feliz.
* Crônica publicada em 15/05/00