Não sei se os brasileiros se dão conta, mas vários dos nossos problemas vêm ocorrendo simultaneamente em diferentes partes do mundo. A crise não é só nossa. Se isso for verdade, ficamos, por um lado, psicologicamente reconfortados. Por outro, é mais difícil sair do pântano, uma vez que os problemas econômicos e políticos de outros países rebatem sobre o Brasil, dificultando a superação da crise nacional.
Um traço do quadro atual é a polarização da sociedade em vários países ou regiões – EUA, Reino Unido, Europa continental, Turquia, Brasil, Venezuela, por exemplo (nem falo das guerras civis e da desordem no Oriente Médio – Síria, Líbia, Iraque, Iêmen). Nos países desenvolvidos, a polarização representa uma reação à chamada globalização neoliberal, ou seja, a rejeição do projeto socioeconômico das elites internacionalizadas. No Brasil, o caso é diferente - o que tivemos, e temos ainda, é a rebelião das elites e da maior parte da classe média contra determinado projeto político e social, que prevaleceu no Brasil de 2003 até 2014.
Não pretendo discutir hoje se a rejeição ou rebelião se justifica ou não. Mas queria destacar a crescente polarização, presente até mesmo num país como o Brasil, que se notabilizava pela capacidade de conciliar divergências.
Observe, leitor, que nas eleições e referendos dos últimos meses a margem das vitórias foi quase sempre pequena. Parece um padrão: Brexit (sair 52%, ficar 48%), eleição de Donald Trump (por 47% a 48% no voto popular – vitória no colégio eleitoral), eleição na Áustria (vitória do candidato verde por 54% contra os 46% do candidato de um partido de extrema direita). No Brasil, em 2014, Dilma Rousseff se reelegeu por margem também estreita (52% contra 48%), indicando já então a divisão da sociedade, que seria agravada nos anos seguintes pela campanha pelo impeachment e seus desdobramentos. A exceção foi o referendo na Itália, domingo passado, em que a derrota do governo foi por 59% a 41%, levando à renúncia do primeiro ministro do Partido Democrático, de centro-esquerda.
Outro aspecto notável: a disposição do eleitorado de optar por caminhos arriscados. Na Itália parlamentarista, por exemplo, estava claro que a derrota do governo levaria à queda do gabinete e, portanto, a nova eleição em que a direita nacionalista tem, ao que parece, grande chances de vencer. Brexit era uma aposta de alto risco para o Reino Unido, como se vê pelas dificuldades que a saída da União Europeia acarreta e continuará a acarretar. Nos EUA, em situação mais normal, dificilmente um Trump conseguiria se eleger presidente – ou mesmo chegaria a ser candidato por um dos dois principais partidos. No Brasil, grande parte da classe média saiu às ruas para pedir a derrubada da presidente eleita, ignorando ou desprezando os vários tipos de riscos que o impeachment estava tendo e continuaria a ter para o país.
A violência crescente da disputa política é mais um aspecto que salta aos olhos. No Brasil, estamos vivendo regressão fenomenal em termos políticos, institucionais, e até em termos de comportamento. Mas não só aqui: a regressão é evidente também nos EUA – muito antes da eleição de novembro – e na Europa onde o projeto "iluminista" de integração regional profunda patina há vários anos, e entrou agora em crise talvez terminal.
O espaço acabou. Tento retomar noutra ocasião.
Leia outras colunas em
zerohora.com/paulonogueira