Escrevo desta vez de Goa, na Índia, onde ocorrerá neste fim-de-semana a cúpula dos Brics de 2016. O processo de coordenação entre os Brics – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – completa agora oito anos. Antes de 2008, Brics não passava de um acrônimo criado por Jim O´Neill, um economista do Goldman Sachs. Mas naquele ano formou-se uma aliança que tem tido considerável influência nas discussões econômico-financeiras internacionais.
Tenho orgulho de dizer, leitor, que sou um dos poucos que acompanham desde 2008 o processo Brics – primeiro como diretor executivo no FMI e delegado brasileiro nas reuniões do G-20 e dos Brics, agora como vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) estabelecido pelos Brics em Xangai.
O que alcançamos nesses oito anos? Em certo sentido, menos do que esperávamos. Os Brics se coordenaram para fazer avançar a reforma do Banco Mundial e do FMI, mas não conseguimos mudanças realmente fundamentais nessas instituições. Alguns fatos recentes confirmam a percepção de que europeus e norte-americanos não querem realmente transformar as entidades sediadas em Washington e adaptá-las ao século 21. A sucessão no comando do FMI e do Banco, em que Christine Lagarde e Jim Kim foram reeleitos sem oposição, confirma uma vez mais a anacrônica regra não escrita que reserva a posição de presidente do Banco a um americano e a de diretor-gerente do Fundo a um europeu. Além disso, na recém-ocorrida reunião anual do FMI, decidiu-se pelo adiamento para 2019 da próxima reforma de quotas e votos, cujo cronograma já estava de todo modo muito atrasado.
Quando vejo isso acontecer em Washington, penso: "Os Brics fizeram bem de criar seu próprio banco de desenvolvimento e seu próprio fundo monetário". Foi justamente aí que a atuação conjunta dos Brics gerou mais frutos. Por volta de 2011 ou 2012, ficou claro que a reforma das instituições de Washington não avançaria tanto quanto desejávamos. Os Brics decidiram então começar a discutir a criação de mecanismos próprios. Na cúpula dos Brics de Fortaleza em 2014, depois de dois anos de negociação, foram assinados os tratados que criaram o Novo Banco de Desenvolvimento e o Arranjo Contingente de Reservas. Um ano depois, em 2015, a ratificação dos dois tratados foi concluída e os novos mecanismos começaram a ser operacionalizados.
Aqui em Goa, o presidente do NBD, K.V. Kamath, fará uma apresentação aos líderes dos Brics sobre o primeiro ano do banco. Assinaremos também um acordo de cooperação do NBD com os cinco bancos de desenvolvimento dos Brics.
É natural que o NBD tenha destaque na cúpula dos Brics. Afinal, trata-se da principal realização do grupo. E muito se fez neste primeiro ano do NBD. As principais políticas operacionais foram aprovadas. O capital começou a ser integralizado pelos fundadores – com três dos cinco sócios acelerando o pagamento em relação ao previsto no tratado. Os primeiros cinco projetos foram aprovados – um em cada um dos cinco Brics. E o primeiro bônus foi emitido, em moeda chinesa.
O NBD é por enquanto um banco 100% verde. Todos os nossos primeiros projetos são na área de energia renovável. E o nosso primeiro bônus é um bônus verde, isto é, emitido com a obrigação, sujeita a verificação independente, de que todos os recursos captados serão utilizados em projetos classificados como verdes segundo princípios internacionalmente reconhecidos.
Estamos construindo um banco do século 21.
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