As escadarias da região central até que eram mais ajeitadinhas. Já nas periferias, quando uma comunidade sentia falta da ligação entre a parte alta e a parte baixa do bairro, o poder público erguia degraus de qualquer jeito – não instalava sequer iluminação.
Com o tempo, claro, essas escadas foram se degradando. Mergulhadas no escuro e cobertas de limo, viraram rota de fuga para assaltantes e ponto de encontro para usuários de drogas. Os moradores, com medo, voltaram a fazer caminhos mais longos para acessar as extremidades que os degraus interligavam.
Na semana passada, a coluna mostrou o caso de uma escadaria no Jardim Carvalho, na Zona Leste, revitalizada por moradores que desistiram de esperar o poder público. Outra escada no mesmo bairro, em 2017, já havia se tornado um dos recantos mais encantadores da cidade após um grupo de vizinhas revestir os 88 degraus com mosaicos.
E até na histórica escadaria da Rua João Manoel, no Centro Histórico, inaugurada em 1929, o ambiente inóspito das últimas décadas só deu trégua depois que moradores reformaram a estrutura – e, orgulhosos do resultado, passaram a promover eventos no pé da escada.
– As pessoas começaram a respeitar o lugar. Quando viram que a comunidade estava disposta a reativar a escadaria, pararam até de jogar lixo – diz o comerciante Luis Carlos Furlan, que ajudou a revitalizar uma das escadas do Jardim Carvalho.
É a teoria das janelas quebradas: dois criminologistas americanos, James Wilson e George Kelling, são os pais dessa tese. Se um prédio com janelas quebradas, por exemplo, não receber novas janelas em breve, a tendência é de que os vândalos apedrejem mais janelas. E depois invadam o edifício. E talvez até botem fogo nele.
Outro exemplo: se ninguém recolher o lixo de uma calçada, as pessoas se sentirão autorizadas a largar bitucas ali, outras porcarias vão aparecer e, depois de um tempo, estaremos levando sacos de lixo para lá. Ou seja, desordem gera desordem. E qualquer contravenção (como vandalismo ou depósito irregular de lixo) pode dar origem a outras (como consumo de drogas, furto ou assassinato).
Nessas escadarias de Porto Alegre, é como se as janelas tivessem sido consertadas. E, quando algo é consertado, é porque tem um dono – essa presença imaginária de alguém, de um suposto dono, de um guardião de determinado local, tende a inibir comportamentos mais destrutivos.
Em tese, o dono do espaço público somos nós. Quando estamos presentes, portanto, o local se torna mais seguro e habitável. Quando estamos ausentes, o certo seria o poder público manter a vigília – pagamos impostos para isso. Mas não dá para contar com essa premissa. Até porque, melhor que uma prefeitura fazendo tudo, é uma população dando orgulho à cidade.