É triste o que Porto Alegre fez com o próprio Carnaval. Você, por acaso, algum dia já foi ao Complexo Cultural do Porto Seco, onde ocorrem os desfiles das escolas de samba? Imagino que não.
Agora, na sexta e no sábado, tudo vai estar ajeitadinho: as entidades carnavalescas fazem o que podem para preservar a imagem da festa. Mas, durante o ano inteiro, aquilo é uma pocilga. O descaso do poder público é tanto, que a fiação elétrica nem existe – furtaram os fios, ninguém repôs, e as escolas ensaiam com um gerador.
O mato, no Porto Seco, costuma bater no meu joelho. O entorno é tomado por tráfico e prostituição. Chegar de ônibus àquele fim de mundo é terrível até para quem mora na Zona Norte – imagine para quem sai da Restinga. Por que fizemos isso com as escolas de samba? Não é tão difícil entender.
O Carnaval em Porto Alegre começou onde hoje é a região central. Surgiu no Areal da Baronesa, na atual Cidade Baixa; cresceu na Colônia Africana, onde atualmente é o bairro Rio Branco; e ganhou força na Ilhota, às margens do Arroio Dilúvio. Com a Capital se urbanizando, entre os anos 1950 e 1960, a prefeitura decidiu expulsar essas comunidades pobres e negras para as periferias da cidade.
Surgia, por exemplo, a Restinga – que ganhou esse nome porque aquela região, a 22 quilômetros do Centro, era a própria restinga: um pântano à beira do Arroio do Salso, sem saneamento, sem calçamento, sem transporte, sem nada. Ao mandar embora essas vilas, também mandaram embora o Carnaval.
Mas, pelo menos, a apresentação das escolas de samba ficou no Centro. Até 2003, a passarela era a Augusto de Carvalho, era a Loureiro da Silva, era a Borges de Medeiros, era a João Pessoa – e qualquer porto-alegrense podia assistir à cultura da cidade desfilar a céu aberto. Um belo dia, no entanto, decidiram expulsar os desfiles também.
Por que a Avenida Beira-Rio não poderia servir de passarela? Por que esta cidade detesta tanto o Carnaval?
A prefeitura prometeu uma boa estrutura para o novo sambódromo. Dizia até que outros eventos, como os desfiles de 7 de Setembro e da Semana Farroupilha, também seriam transferidos para lá. Balela, só o Carnaval foi para o Porto Seco.
Segundo o poder público, as arquibancadas do novo complexo seriam fixas – daria até para economizar dinheiro, já que os assentos, antigamente, precisavam ser montados e desmontados todo ano. Mas até hoje, como se sabe, as arquibancadas precisam ser montadas e desmontadas todo ano. Neste ano, aliás, não estão prontas até agora.
Por que Porto Alegre mantém aquele elefante branco no Rubem Berta? Por que as escolas de samba não podem fazer duas noitezinhas de barulho no centro da cidade? Por que a Avenida Beira-Rio não poderia servir de passarela? Por que esta cidade detesta tanto o Carnaval?
Seria tão lindo se, em vez de expulsar, pudéssemos acolher só uma vez.