Na liminar que proibiu a prefeitura de remover as casinhas de cachorro instaladas em uma calçada no bairro Jardim do Salso, na Zona Leste, o juiz Eugênio Couto Terra percorre cinco laudas contestando as razões do governo municipal.
O tom mais crítico está na terceira página: "É falacioso o argumento de que, caso retiradas as casinhas, seriam os animais recolhidos a um abrigo municipal e posteriormente encaminhados para adoção". Não faz sentido, no sensato raciocínio do juiz, a prefeitura empregar esforço e dinheiro recolhendo justamente os cães que já recebem – em maior ou menor grau – cuidados, alimentação e abrigo enquanto outros 30 mil vagueiam pela cidade em absoluta vulnerabilidade.
Terra, que é titular da 10ª Vara da Fazenda Pública, entende que essa conduta do município fere princípios básicos da administração pública – entre eles, o da eficiência (seria mais lógico priorizar os cachorros realmente desamparados) e o da economicidade (por despender recursos de maneira ineficaz). A decisão, mais do que apontar essas incongruências, desmonta um discurso estrambólico que a prefeitura vinha tentando emplacar.
Nos últimos meses, o governo insinuava que os inimigos do bem-estar animal eram, na verdade, os que defendiam a permanência das casinhas – esses é que estariam impedindo os cães de terem um lar de verdade. Além de injusta, é uma visão antipática. Porque os animais de rua, por lei, são responsabilidade do município – se a comunidade aceita compartilhar a tarefa, vacinando, castrando e oferecendo abrigo aos cachorros, pode até ser compreensível o poder público discordar da iniciativa, mas questionar a boa intenção é indefensável.
O juiz Terra, na liminar, ainda rebate o argumento de que as casinhas atrapalham a circulação (ele propõe uma comparação com "receptáculos de coleta de lixo" e com "bicicletários para locação de bicicletas") e enfatiza o principal: já existe uma lei estadual autorizando a instalação das estruturas no passeio público.
Na segunda-feira (2) noite, o governo da Capital anunciou que vai recorrer da decisão: "A prefeitura reitera o entendimento de que a calçada não é lugar para construções e nem a rua é espaço adequado para criação de animais". A nota ainda afirma que a retirada das casinhas respeita "as regras do mobiliário urbano" e que a política de saúde animal da prefeitura passa por "controle populacional, albergagem temporária e adoção".
Em resumo, não vão dar o braço a torcer.