A prefeitura acerta ao limpar, limpar e limpar quantas vezes for preciso o Largo dos Açorianos. "Não vamos nos curvar ao vandalismo", escreveu no Twitter o secretário de Serviços Urbanos, Ramiro Rosário, ao publicar fotos de servidores do DMLU apagando pichações no concreto.
Em seis dias aberto ao público, depois de três anos em obras, um dos recantos mais emblemáticos de Porto Alegre agora enfrenta essa praga urbana: não será surpresa se for pichado outras vezes. O que não pode é o poder público se render – em 1982, os americanos James Wilson e George Kelling explicaram por quê.
Se um prédio com janelas quebradas, por exemplo, não receber novas janelas em breve, a tendência é que os vândalos apedrejem mais janelas. E depois invadam o edifício. E talvez até botem fogo nele.
Se ninguém recolher o lixo de uma calçada, as pessoas se sentirão autorizadas a largar bitucas ali, outras porcarias vão aparecer e, depois de um tempo, estaremos levando sacos de lixo para lá. Quer dizer: desordem gera desordem – e qualquer contravenção pode dar origem a outras.
No caso da pichação, temos a covardia travestida de rebeldia. A pichação ataca o patrimônio exposto ao público, aquele sem grades, sem vigilante, mas poupa qualquer mansão milionária com um mastodonte guardando a porta. Ela ataca a vendinha da esquina, mas poupa o hipermercado. Ela ataca o coitado que não consegue pagar R$ 300 para pintar a parede de branco, mas poupa quem teria R$ 300 mil para pintar o bairro inteiro.
Ninguém está pregando que se piche a casa dos ricos, mas o que pode haver de transgressor em destruir o patrimônio de quem tem pouco? Houve uma época, de fato, em que pichar era justificável – até necessário. Na Era Vargas e na ditadura militar, pintavam-se as paredes para alertar a sociedade sobre o regime tirânico. Porque, claro, só haviam sobrado as paredes: a imprensa fora censurada, a oposição fora cassada, não havia redes sociais, então esse era um raro canal de contato entre a população e o outro lado.
Hoje, a pichação não serve para nada além de destruir. Embora o poder público não consiga estar presente em todo lugar, ele pode – e deve – combatê-la com ímpeto em pontos estratégicos. E não há ponto mais estratégico que o Largo dos Açorianos. Foi ali que a cidade começou a crescer. É ali que ela ganha novo ânimo.