Literalmente apagado, assim é o nosso Natal. Aquela vibrante decoração que tomava fachadas de prédios, casas e lojas, produzindo verdadeiras ilhas de beleza em Porto Alegre, deixou a cidade na metade dos anos 2000 e não voltou mais. Há uma série de motivos para o apagão natalino – entre eles, uma profunda transformação cultural.
– Por que decorar uma fachada se ninguém está na rua para vê-la? – provoca a psicanalista Diana Corso.
Ela e o marido, o também psicanalista Mário Corso, dizem que estamos acuados, cada vez mais dentro de casa. Assim, fomos perdendo os laços com a vizinhança e com a própria rua.
– Está mais difícil compartilhar interesses com os vizinhos, porque eles estão todos atrás de muros. E era justamente esse olhar, o olhar do convívio cotidiano de bairro, que fazia a tua fachada ser tão legal. Se não há gente convivendo na rua, não há por que fazer uma decoração para a rua – avalia Mário.
É verdade que os eventos em espaços públicos cresceram na Capital. A orla, o Parcão, as praças e a Redenção têm frequentadores de sobra todo dia – mas, de fato, pouca gente se arrisca a bater papo ou caminhar à noite no interior de qualquer bairro. E era nesse contexto, interior de bairro, que a Rua Tauphick Saadi, na Bela Vista, e vias do Jardim Lindoia, como Antilhas, Quito e Panamericana, viravam sensação dos Natais na década de 1990.
Gente de fora da cidade vinha visitar o luminoso espetáculo. No Edifício Gallery, um dos pioneiros na decoração da Tauphick, moradores contam que um grupo de senhoras era o grande incentivador. Só que a maioria delas se mudou do prédio – e as gerações mais novas estariam dando menos importância para o assunto.
– Naquela época, havia muito mais crianças no condomínio, então os pais tinham essa preocupação de manter uma fantasia. Não se tem mais a quantidade de filhos que se tinha antigamente – analisa Gislaine Pereira, síndica do Edifício Tour de Louvre, na Rua Vasco da Gama, outro que se embelezava de cima a baixo.
O presidente do Sindicato dos Lojistas do Comércio de Porto Alegre (Sindilojas), Paulo Kruse, lembra que o preço das luzinhas de Natal subiu muito quando a importação foi taxada, nos anos 2000. Some-se isso ao aumento da conta de luz e à crise econômica que mais tarde afetou o país e, segundo ele, estará explicada a queda nas vendas.
Só que o próprio Kruse lembra que no interior do Estado, em cidades como Estrela, Passo Fundo e Farroupilha, as fachadas reluzentes ainda encantam os moradores. Por quê? Talvez porque a hipótese de Diana e Mário Corso seja mesmo precisa: o Interior mantém aquele convívio em comunidade que a Capital já perdeu. Por aqui, a decoração continua linda no lado de dentro dos shopping centers.