Sou contra a pena de morte, embora entenda quem seja a favor – há argumentos razoáveis para isso. A questão é que, para mim, argumento algum supera uma obviedade: matar é errado. E, se matar é errado, não pode o Estado matar.
– QUERIA VER SE MATASSEM TEU FILHO, SE NÃO IA QUERER A MORTE DO CARA!!!!!!!!!
Claro que ia. Só que eu não sou o Estado. Ou seja: eu posso, sim, ser passional, irracional, virulento e vingativo. Até porque não tenho como não ser – o ser humano é. E é justamente para isso, para deter os ímpetos humanos, que existe o Estado. É ele que impõe as leis, estabelece as regras, define e orienta as normas de convívio em uma sociedade.
Se alguém infringe essas regras, deve ser punido, claro. Mas sempre com punições que, da mesma forma, não descumpram essas regras. Não consigo conceber que o Estado, responsável por dizer o que é errado, pratique uma conduta que ele próprio considera errada.
A mesma lógica serve para a castração química, um castigo de contornos medievais cada vez mais debatido no Brasil – o candidato que lidera as pesquisas para a Presidência defende sua aplicação em estupradores.
Trata-se de um tratamento com injeções ou comprimidos. Ao socar hormônios femininos no bandido, a libido é derrubada e a impotência sexual vira rotina. Em resumo, ele fica brocha – e fica mais suscetível a desenvolver câncer de fígado, hipertensão, trombose e depressão. Também é possível que ele passe a ter mamas.
Eu realmente adoraria que, se um desgraçado estuprasse alguém da minha família, ele atravessasse a vida carregando tetas, um pênis murcho e um tumor do tamanho da própria cabeça até morrer de depressão. Mas não é assim que funciona. O Estado, em uma sociedade civilizada, não pode mexer no corpo de ninguém. O corpo é inviolável – nossa Constituição, aliás, diz que pessoa alguma "será submetida a tortura nem a tratamento desumano ou degradante".
Em uma mente perturbada, não ter libido ou ereções pode até servir de argumento para cometer monstruosidades
Não se trata de tolerância com o crime. Trata-se de uma intolerância com atrocidades que, se começam a ser aceitas, um dia podem bater à minha porta, ou à do meu filho, ou à da minha mãe, ou à de qualquer inocente. Por isso, o Estado moderno precisa se aprimorar na eficácia desta pena aqui: privação de liberdade. No Brasil, ela é curta e mal tem locais para ser cumprida. Assim, claro, com a Justiça soltando criminosos por falta de vagas, a população vai se abrutalhando a ponto de defender o paredão como a saída possível.
Mas, voltando à castração química: enquanto pesquisava para escrever este texto, encontrei dois célebres casos de homens brochas. Leandro Basílio Rodrigues, o Maníaco de Guarulhos – que violentou e matou pelo menos sete mulheres entre 2007 e 2008 –, não conseguia manter relações sexuais. E José Vicente Matias, o Corumbá, condenado por estuprar e esquartejar seis vítimas em Goiás, entre 1999 e 2005, dizia que as mulheres debochavam de sua impotência.
Quer dizer: a agressão sexual não é determinada só por hormônios. Ninguém precisa do órgão sexual para violar uma mulher – pelo contrário: em uma mente perturbada, como as duas recém citadas, não tê-lo pode até servir de argumento para cometer monstruosidades. E o ser humano sempre vai cometer as suas. Mas o Estado não pode.