Símbolo incontestável da nova direita, com mais de 2 milhões de fãs no Facebook – o que representa 1% da população do país –, o Movimento Brasil Livre (MBL) surgiu em 2013, na esteira das jornadas de junho daquele ano. Com toda a sinceridade, simpatizei com eles.
Era um grupo de jovens entre 20 e 30 anos, todos egressos de uma embrionária onda liberal. Aproveitaram a barulheira da esquerda – que protestava contra o aumento das passagens e exigia um transporte público gratuito – para se afirmar como uma alternativa inteligente. O MBL distribuía cartazes que defendiam a abertura do mercado para quebrar o oligopólio das empresas de ônibus. Pregava também a legalização de peruas e vans como opções de transporte mais barato – e de emprego para os motoristas. Ideias bem mais factíveis que o delirante passe livre.
Eu aqui, favorável a um Estado menor, à livre concorrência, ao fim do controle estatal sobre os correios, sobre o petróleo, sobre a energia e sobre o que for; eu aqui, contrário à taxação das grandes fortunas e à autoritária inclinação da esquerda de mandar no mercado, mandar na imprensa, mandar na propriedade e mandar no que for; eu aqui, um entusiasta da filosofia de John Rawls e Stuart Mill, realmente gostei de ver um movimento liderado por jovens promovendo uma entusiasmada defesa do liberalismo.
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Vieram as manifestações pelo impeachment, em 2015, e o MBL virou fenômeno. Ficou famoso. Não concordei com eles: embora considerasse o governo Dilma uma tragédia completa, nunca enxerguei a materialidade, a concretude, a incontestável certeza de que aquelas denúncias justificavam, de fato, o afastamento da presidente.
Comunista.
Esquerdopata.
Bolivariano, petralha, socialista, eleitor do PSOL.
Foi assim que militantes do MBL passaram a me tachar – e a tachar qualquer pessoa que divergisse de suas ideias, em uma estratégia desprezível de interditar o debate. E não há nada menos liberal do que refugar a liberdade de pensamento. De uma hora para outra, as redes sociais do movimento passaram a aplaudir Michel Temer, exaltar Jair Bolsonaro e esculhambar conquistas da população LGBT. Chegaram a dizer que Geraldo Alckmin (PSDB) aderiu à "agenda da esquerda" ao instituir banheiros para transexuais nas escolas de São Paulo.
Você pode gostar de Bolsonaro, também pode desprezar os homossexuais, tudo bem, mas você é um um radical de direita, um ultraconservador, talvez um militarista, qualquer coisa menos um liberal. Todo teórico do liberalismo defende tanto a propriedade privada quanto a liberdade de associação – quer dizer, não pode o Estado impedir duas pessoas de serem sócias. Se a nossa primeira propriedade privada é o próprio corpo e se a associação mais popular do planeta é o casamento, um liberal que se recusa a defender a união homoafetiva vive em absoluta contradição.
Por que o MBL deixou de ser liberal? No Rio Grande do Sul, expoentes do movimento se irritaram com a nova postura e picaram a mula. Foi o caso de Fábio Ostermann, que em 2016 concorreu a prefeito de Porto Alegre pelo PSL, e do vereador Felipe Camozatto, do Partido Novo. O MBL tornava-se assim um veículo truculento, dedicado muito mais a fustigar a esquerda – sem qualquer respeito à divergência de opiniões – do que a apresentar propostas para o país, como fizera com competência em 2013.
Membros atuais do movimento dizem que Renan Santos, coordenador nacional, passou a ditar uma estratégia bem clara: para crescer, é preciso ter um inimigo. Cria-se, assim, um ambiente de cumplicidade com quem também odeia esse inimigo. Neste momento de fragilidade inédita da esquerda, com tanta gente abominando o PT, "o cara pode gostar do MBL não porque apoia as nossas posições, mas porque adora nos ver atacando quem ele detesta", me disse um militante.
A postura é igualzinha àquela adotada por... adivinhe quem?
Lula.
Ele e o PT atravessaram uma década inteira atacando um terrível inimigo.
– A elite brasileira é perversa, nunca acreditou neste país – disse Lula na campanha eleitoral de 2002.
– Vão morrer sem entender por que um metalúrgico sem diploma é capaz de fazer mais do que eles – disse Lula em 2007.
– A crise foi causada por gente branca de olhos azuis – disse Lula em 2009.
– Precisamos extirpar o DEM da política brasileira – disse Lula em 2010.
Aí veio a filósofa petista Marilena Chauí, com uma das maiores idiotices já ditas por um intelectual no Brasil:
– Eu odeio a classe média! A classe média é um atraso de vida! A classe média é a estupidez! É o que tem de mais reacionário, conservador, ignorante, petulante, arrogante, terrorista! A classe média é uma abominação política, porque ela é fascista! É uma abominação ética, porque ela é violenta! E é uma abominação cognitiva, porque ela é ignorante!
Credo, é para irritar mesmo a classe média. Só que agora, com o PT em baixa e uma classe média ressentida, a elite perversa se insurgiu – e o MBL, espertalhão, assumiu como porta-voz. Fazendo a mesma coisa que Lula: insistindo em dividir o país, chutando as fuças do inimigo e rejeitando a pluralidade de ideias.
O PT, agora com seu líder condenado à prisão, já começa a rumar para o ocaso. Não seria mau se o MBL, que também deixou para trás suas origens para abraçar a intolerância, tivesse o mesmo fim.