Acordei dia desses e, ainda na cama, percebi uma mancha no teto. Já devia estar lá fazia tempo, mas só naquela manhã é que parei para examiná-la, eu embaixo das cobertas, ela do tamanho de uma moeda de cinco centavos, pequenina porém arrogante, me encarando lá do alto com uma leve proeminência verde-musgo no centro da circunferência castanha. Feia, aquela mancha. E parecia tão consistente, a danada.
Eu precisava trabalhar, então outra hora limparia aquela nojeira, que, afinal de contas, não era lá muito grande. O problema é que atravessei o dia pensando no diabo da mancha, cogitando se aquilo era fungo, bolor, tumor, excremento, vírus, bactéria, essas coisas de que ninguém gosta. Era tão substancial e opulenta. Por que verde-musgo? Por que justo em cima da minha cama? Precisava acabar com aquilo.
Só que na volta para casa, com tanta coisa na cabeça, acabei me esquecendo da mancha e só fui lembrar na manhã seguinte, quando me vi novamente embaixo das cobertas, agora avaliando três borbulhas que haviam brotado na periferia do círculo. Estaria crescendo? Haveria algum ser vivo entre a mancha e o teto?
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Além de limpar aquele negócio, me dei conta de que a despensa precisava de uma faxina, e também havia pó demais nas prateleiras, sem falar no meu armário atulhado de roupas que nem uso mais. Cuidado, Paulo, não é bom viver assim. O ambiente em que a gente vive é um reflexo do que somos. Se a coisa é muito bagunçada, podre e desarrumada, é porque por dentro estamos bagunçados, podres e desarrumados.
Os filmes de terror, por exemplo. Não é à toa que famílias assombradas por entidades malignas vivem sempre em casas caindo aos pedaços. Uma boa metáfora da vida real. Invocação do Mal 2, adoro esse filme: é tocante a fragilidade daquela mãe com seus filhinhos – o pai largou a família, o dinheiro acabou e a casa é a materialização dessa desordem. Tem tinta descascando, móvel se desmanchando, carpete se esfarelando, cano vazando, porão alagando e paredes quase vivas de tanto mofo.
Em um ambiente tão vulnerável, onde nem a invasão do limo é impedida, não parece difícil algo de muito pior ocupar espaço. Aí surgem os demônios. Aliás, os deprimidos costumam abandonar – não no sentido de fugir, mas de tratar com desleixo – suas casas porque, antes de tudo, abandonam a si próprios. Minha mãe, quando está triste, gosta de arrumar o guarda-roupas certamente porque assim ela arruma um pouco a sua cabeça. Quer dizer, não seria absurdo se a mancha fosse o espelho de minhas próprias nódoas.
Chega! Era minha obrigação pular da cama naquele instante, buscar na cozinha um pano com álcool e esfregá-lo no teto, esfregá-lo com o vigor de quem enfrenta suas dores e fraquezas – pena que estava realmente atrasado para o trabalho, mas, na volta, não falharia.
Falhei. E, no dia seguinte, lá estava eu olhando para a mancha. Atrasado de novo. Na minha mesa, na redação da Zero, assisti no YouTube a um vídeo do Mario Sergio Cortella dizendo que "uma casa sem nada fora do lugar é uma casa morta".
– Onde há vida há perturbação da ordem! A casa em ordem é uma casa triste! – bradava Cortella, e aquilo me acalmou, aquilo me confortou e me fez sorrir, embora no fundo eu soubesse que ele queria dizer outra coisa.
Cortella se referia à bagunça saudável de um lar alegre. Não disse, mas certamente pensou em brinquedinhos espalhados e indícios de celebração no meio da sala – sei que não pensou em uma mancha do tamanho de uma moeda de um real com uma proeminência cinza-chumbo no centro da circunferência preta. Cortella pedia agitação, vida, gente na casa, e foi isso o que fiz.
Chamei três amigos. Comprei cerveja, comemos pizza, falamos sobre o Grêmio e a Lava-Jato e, lá pelas tantas, informei com certo drama que uma estranha mancha invadira o meu quarto. Fomos os três analisá-la, e eu sabia que o Mário diria o que disse.
– Mas tu é porco, hein? Me traz a porra daquele pano da pia!
E o Mário subiu na cadeira, esticou o braço para esfregar a mancha, eu disse "sai daí, Mário, sai que é comigo!", então tomei-lhe bravamente o pano e removi aquela imundície do teto. Pronto, eu venci. Com a ajuda dos amigos, é verdade, e como é bom ter amigos, mas ninguém vence um medo se não o vence sozinho. Amanhã de manhã, vou limpar a despensa – se não me atrasar para o trabalho de novo.