Em primeiro lugar, não imagino que muita gente vá se importar com a pergunta do título, e aqui está a pior abertura de coluna que já escrevi na minha vida – aprendemos no jornalismo que a primeira frase deve seduzir o leitor, e não mandá-lo embora como acabei de fazer, mas, fazer o quê?, a gente faz dessas bobagens.
Deveria eu estar falando sobre as agruras do país e do mundo, é verdade, reconheço que soa pretensioso enfileirar frases sobre mim mesmo, sobre meus preceitos ideológicos e tudo mais, mas há um número razoável de leitores que me encaminham a pergunta do título. A maioria nem pergunta, claro: ora me chama de esquerdopata-comunista-bolivariano e blá-blá-blá, ora me chama de golpista-coxinha-elite branca e blá-blá-blá.
Dá certa pena. Porque, quando alguém abdica de debater para empregar esses adjetivos, está falando mais sobre si mesmo do que sobre o outro. É uma forma tosca de informar o campo onde ele está, e não onde o outro está. O que me irrita nessa polaridade não são os insultos, e sim a assustadora resistência a qualquer coisa que se aproxime do ato de pensar.
Porque pensar segundo padrões já estabelecidos – seja por convicções ideológicas, políticas, religiosas ou culturais – não é pensar, é reproduzir pensamentos prontos. É assim que costuma atuar boa parte da esquerda e da direita: feito fantoches que só escutam o seu ventríloquo, disseminando conceitos que nem sequer têm relação com esquerda ou direita.
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Houve uma época, em especial nos Estados Unidos, em que a direita era libertária – não gostava que o governo se metesse na vida de quem quer que fosse. Gosto disso. Os moradores de rua, por exemplo. Alguns são meus heróis. Não admitem ser levados a abrigos nem nas piores noites do inverno, porque não aceitam ouvir um sermão ou cumprir horários em troca de uma sopa e de um colchão. A direita que me agrada aprovaria essa conduta.
Como aprovaria também a liberdade absoluta de gays e lésbicas para decidir o que quisessem em sua vida sexual e afetiva. Mas isso é passado: a direita de hoje adora tutelar os cidadãos e defende leis que regram o comportamento de todos segundo seus "princípios". Teria a esquerda, então, herdado o antigo espírito libertário da direita?
Que nada. A esquerda também acha que o Estado deve mandar em tudo, deve mandar na imprensa, mandar no mercado, mandar na propriedade privada, mandar inclusive no que as pessoas podem falar. Bolsonaro, um déspota truculento que hoje é o maior expoente da direita, quase foi calado por uma esquerda que queria cassar seu mandato porque ele "incitou o ódio". Ora, por favor!
Bolsonaro representa 500 mil eleitores do Rio, ele tem imunidade parlamentar e pode, sim, dizer as asneiras que quiser. Ao calar Bolsonaro, se calaria também uma fatia imensa do país – mas a esquerda prefere calá-la, e não parar para ouvi-la e compreender a raiz de qualquer problema. Hipócrita, a esquerda sempre afirma querer o bem de todos, inclusive o bem dos que ela persegue.
Sou a favor dos programas sociais da esquerda, mas contra a taxação das grandes fortunas que prega a esquerda. Sou a favor da livre concorrência da direita, mas contra o tratamento indigno aos presos que prega a direita. Sou a favor de um Estado menor – sem monopólio sobre os correios, sem monopólio sobre o petróleo –, mas sou contra qualquer Estado que fuja da responsabilidade de oferecer oportunidades idênticas a todos.
Diria que sou de centro, embora metade dos leitores que chegaram até aqui já esteja me classificando de comunista ou de coxinha. Só que essa parte, claro, diz mais sobre eles do que sobre mim.