Pensei primeiro em milhões, mas não duvido que atingisse o bilhão se a gente pudesse contar o número de frustrações que a vida nos impõe. Faz parte: a maioria delas é inevitável, todas são pedagógicas, disso tudo a gente sabe, a questão é que, no meio de um bilhão de frustrações, dificilmente alguma supera esta: você acha que um amor vai durar e, dali a pouco, ele acaba. Deu. Fim. Um para cada lado.
Não é à toa que, na literatura ou no cinema – nas nossas fantasias, por consequência –, uma história de amor termina sempre quando os amantes se juntam (é o modelo Cinderela) ou quando a união esbarra em um obstáculo intransponível (é o modelo Romeu e Julieta). No modelo Cinderela, o narrador nos deixa sonhando com um "viveram felizes para sempre", que seria o resultado óbvio de uma paixão.
No modelo Romeu e Julieta, a felicidade que os amantes conheceriam, se pudessem ter ficado juntos, é dada como certa. Parece estraga-prazer esse raciocínio, mas será que Romeu e Julieta continuariam se amando tanto se, um dia, conseguissem dormir juntos sem que ele precisasse escalar a casa dela até o balcão? Ou se, em vez de enfrentar a violenta oposição de seus familiares, eles convivessem com a parentalha toda em churrascos de fim de semana? Isso, sim, é o mais difícil.
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Só que o casal que dura no tempo, em regra, não costuma ser tema para histórias de amor – funcionam melhor em comédias, quando encarnam os sogros inoportunos, ou em enredos de traição, como Infidelidade, ou até em contos de terror, no estilo Revelação. Mas o jornalista americano Calvin Trillin, em centenas de crônicas que escreveu para a New Yorker e em livros como Sobre Alice, não apenas descobriu na vida cotidiana de um casal a verdadeira história de amor como parece ter descoberto o segredo de uma relação duradoura.
Alice, com quem Calvin foi casado por 35 anos, morreu em 2001. Os textos do jornalista, embora sejam engraçados – ele é o feio avoado, ela é a bela sensata –, não debocham das dificuldades da vida a dois, pelo contrário: são textos que nos divertem por celebrarem a alegria do casamento. E chama atenção a maneira como Calvin expõe as gritantes diferenças entre eles.
Por exemplo: "Minha mulher, Alice, tem a estranha propensão de limitar nossa família a três refeições por dia". Ué, e daí?, pensei. Mas a graça está justamente nisso: a tal propensão dela nada tem de extravagante, mas Calvin observa aquilo como se fosse um hábito exótico. Alice é retratada o tempo todo como "diferente", de modo que fica impossível distinguir suas qualidades de seus defeitos. Calvin a ama e a admira como a gente analisa, encantado, uma espécie desconhecida no Discovery Channel.
Eis o segredo. Se amo e admiro o outro por ele ser diferente de mim – e não apesar de ser diferente de mim –, não posso achar que minha maneira de ser seja a única correta. Se Calvin considera extraordinário Alice acreditar no valor de três refeições por dia, ele pode seguir petiscando o dia inteiro, mas seu hábito lhe parecerá, no fundo, tão estranho quanto o dela. A maneira como ela ri, como ela chora, como pede carinho, como fica braba, nem tudo é sempre agradável, mas tudo é sempre objeto de uma análise que mistura consideração e curiosidade.
Foi assim que Calvin e Alice transformaram a vida de casal em uma aventura – para mim, maior do que a de Cinderela e a de Romeu e Julieta. É a aventura de sempre descobrir o outro, de sempre se surpreender com aquela diferença inesperada que nos dá, de brinde, a certeza de que a nossa inflexível maneira de ser, o nosso jeito e a nossa loucura jamais precisam ditar uma norma universal, nem mesmo a norma do casal.
Foi assim que Calvin descobriu uma forma eficaz de fugir da maior das frustrações. Ele descobriu a receita do amor que dura. E Alice só foi embora com a morte, elemento ainda inevitável nas mais incríveis histórias de amor.